Apedreci. Exageram os cristais que partem o branco em sete cores. Prefiro a sobriedade das pedras, que o dividem em dois: luz e sombra. Considero longamente faces pétreas. Sorrisos angulosos. Olhares duros. Homens-escarpas. Homens-rochedos. Homens-seixos. Homens-cacos. Para entender os homens é preciso geologia. Por isso, tornei-me poedra. Minha alma é rocha ígnea, mas acuou-se pouco a pouco em contato com a atmosfera. Mudo enigmagma, mede-se por suas retrações. Vazio de ocos para consciência, sou coisa-em-si e meu sentir é mineral: sei do mundo um saber tátil que me explica as intempéries e os anos pelo que, de mim, se desprende. Minha erosão é memória. Meu pensar é litogravura: não sou eu quem pensa, mas o tempo que, sobre mim, se curva. Sua reflexão é áspera; cada conclusão, uma ranhura. Minha dureza também o desgasta. Demarcamo-nos pelo atrito. OpaCidade! OpaCidade! Minha alma fosca apenas a espelha e reforça seu paradoxo adiamantado: tão límpida ao olhar, quanto impenetrável. Vasto céu arenoso! Suas nuvens são desertos em romaria! Seu poente, uma gema de muitos veios! Estou incrustado em minha própria natureza: uma ermensidão de cânions ajanelados e cavas cascalhadas de indiferença. Coexistência é um acomodar de arestas. Um silêncio grita pela paisagem com a rouquidão das pedras gastas. Sobre essa rocha ígnea a que chamo alma, eu sou todo sedimentos, um aluvião de outrora certezas. Minha imobilidade não é firmeza: sou apenas incapaz de minha própria carga. Um peso sem toneladas, nem volume, um peso de inocência apedrecida. O que de mim se move é a sombra. Cravado neste pedregal, observo-a girando ao meu redor feito animal faminto, ora aqui, ora no infinito. Ela busca a luz, sua outra face, pois só as pedras aceitam esta dura verdade: luz e sombra são uma só - neglume! As pedras sabem morrer uma eternidade... Nota do Editor: Márcio Juliboni é jornalista, cobre Economia e Negócios no portal Exame. Trabalhou no serviço de notícias online, "Panorama Setorial", do jornal Gazeta Mercantil, na Agência Estado e em várias revistas segmentadas. Iniciou a carreira na grande imprensa em 2000.
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