Existe um provérbio alemão afirmando que "os governos são velas, o povo é o vento, o Estado é a embarcação e o tempo é o mar". Nesse contexto, os ventos que sopram no Brasil estão a exigir, com grande urgência, que se continuem a promover reformas estruturais. Uma delas é a reforma política. Os últimos governos têm incluído o tema nas plataformas. No emaranhado de assuntos pertinentes a essa reforma, há que separar o essencial do secundário. Vale citar, como exemplo, a questão sobre se seria conveniente acabar ou não com o horário político eleitoral em cadeias de televisão e de rádio durante os meses anteriores aos pleitos. Até sobre esse tópico há muitos que são a favor da sumária extinção da prática, e outros que acreditam que tal mudança implicaria retrocesso no processo democrático. Entre as mudanças desejadas, destacamos as que possam contribuir para o fortalecimento dos partidos, a reorganização do sistema eleitoral e o equacionamento dos financiamentos de campanhas. Entre as muitas matérias já ventiladas sobre o assunto, podemos mencionar a realização de eleições para cargos eletivos federais e estaduais em uma mesma data. Acabar com a coincidência poderia ser forma de fortalecer a unidade e disciplina partidárias, combatendo-se, assim, alianças políticas espúrias que terminam comprometendo a qualidade da representação popular. Outra questão que emerge com força nesse debate é a própria forma de representação dos estados e do Distrito Federal na Câmara dos Deputados. Tal representação nem sempre vem respeitando os princípios da proporcionalidade, e do sufrágio universal, que constam das cláusulas pétreas inseridas na Constituição. Outro tema em debate diz respeito ao financiamento público das campanhas eleitorais, como forma de impedir que o poder econômico prevaleça sobre a livre vontade popular. Ora, é sabido que, quanto maior for a capacidade financeira de um candidato para levar avante sua campanha eleitoral, maiores serão as chances de ele ter uma campanha vitoriosa nas urnas, já que teria como arcar com os custos para o pagamento de material publicitário, contratação de especialistas de marketing etc. O financiamento público poderia coibir a busca de recursos para as campanhas eleitorais em grupos econômicos, evitando a troca de favores no período pós-eleições entre políticos vitoriosos e doadores. Todavia, há que ter em conta que a mera distribuição dos recursos públicos entre os candidatos pelas respectivas direções partidárias tende a privilegiar candidaturas em detrimento de outras. Temos de considerar, também, as advertências sobre o fato de que nada impedirá que partidos e candidatos busquem recursos "por fora" mesmo estando em vigor sistema de financiamento público. Outra questão muito debatida diz respeito à adoção do voto distrital ou misto. Como as demais questões, existem aí benefícios e prejuízos à democracia. A história demonstra amplamente que a implantação dessa medida, em que pese melhorar a representatividade, levaria ao bipartidarismo, como foi o caso de países que desde há muito adotam tal sistema, tornando as eleições praticamente um plebiscito entre um ou outro partido. Destaque-se, também, que tal mudança levaria, também, a reforma na Constituição, já que ela consagra o sistema de representação proporcional, tanto dos estados na Câmara Federal quanto dos partidos nas Casas legislativas em geral. É também notório que seja mais arejado o debate quanto à necessidade ou não de uma cláusula de barreira: tal ação, se por um lado enxuga o número de partidos políticos, correndo-se o risco ao inviabilizar a representação parlamentar de pequenas representações partidárias, extinguindo-se as legendas de aluguel, por outro lado impede a existência de pequenos partidos autênticos, com sólido direcionamento ideológico. Há que lembrar que a cláusula de barreira já existe na legislação, ou seja, o partido que não alcançar 5% dos votos dados para a Câmara Federal não terá representação parlamentar e, assim, não participa do fundo de financiamento partidário e, conseqüentemente, não tem acesso ao rádio e à televisão para expor seu programa nas eleições futuras. E não se pode passar ao largo da questão da proibição das coligações para as eleições proporcionais (de deputados federais, estaduais e vereadores). Tais coligações favorecem os grandes partidos em detrimentos dos pequenos, sejam os fisiológicos, sejam os de cunho nitidamente ideológico. A reforma política passa, indispensavelmente, pelo fortalecimento dos partidos e pelo conseqüente estabelecimento de regras eleitorais claras. São essas medidas que poderão apontar para o processo de saneamento da vida pública. Como disse o escritor francês J. Paulhan, "tudo o que peço aos políticos é que se contentem em mudar o mundo sem começar por mudar a verdade". Nota do Editor: Agaciel da Silva Maia é Diretor-Geral do Senado Federal.
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