Escrever sobre o próprio ofício: às vezes, é preciso. Assim como é necessário inventar o olhar sobre a própria literatura. Para que a diversidade do resultado inclua as intenções da fonte. Para que, no acervo, o olhar conviva com a voz. E também para que as falas venham acompanhadas de suas bandeiras, como pessoas da mesma família ou camaradas do mesmo exército. Um poema por ano
Um poema por ano casa da solidão ventos de sono Árvores da infância furando o coração Na saliva, sangue O tempo sendo jogado fora do balão Lastro de fome Cada vez mais longe a paisagem do amor e seus rebanhos: promessas que não se cumprem pássaros que não voam Idade da pólvora
Tudo cabe no paiol de imagens o mágico, a lógica a linguagem na flor da idade Nada cabe nesta sala nosso amor, nossa fábrica Para viver precisa baixar o vale como os rios sem nome e a fome das águias A solidão é de quem ataca. A tocaia na mão com um tacape A escuridão é teu passo possível autor da claridade Limpar o poema
Cortar o nó do poema com força e delicadeza para que todos aprendam antes que a noite aconteça Armá-lo como um guerreiro dos pés até os dentes e que saibam de longe por quem está combatendo Para que o povo o suspenda nos ombros, como um eleito e seja seu companheiro na vitória e na falência Que não esconda a violência nem tenha voz de inocente e seja um duro instrumento com ataques de surpresa Soltar o poema e desvendar seu segredo para que o mundo o receba Nota do Editor: Nei Duclós é autor de três livros de poesia: “Outubro” (1975), “No meio da rua” (1979) e “No mar, Veremos” (2001); e de um romance: “Universo Baldio” (2004). Jornalista desde 1970 e bacharel em História. Trabalha atualmente em Florianópolis, onde é editor-executivo de duas revistas.
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