Chovia... Os pingos d’água na vidraça esculpiam sombrio itinerário de melancolia, saudade e solidão. Lanças pontiagudas do silêncio feriam-me, com crueldade, e sangravam incômodas emoções. Fantasmas esquivos e caricatos rodopiavam, trôpegos, sem compasso, em insólita, tresloucada ciranda, em incoerentes coreografias. Tenso, mas imóvel, eu ouvia seus miúdos passos em surdina, cautelosos e medindo distâncias qual ritmado, rouco tambor. Percebia seus passos esquivos, miúdos, constantes, inflexíveis: tum, tum, tum, em surdina. Ela estava ali, camuflada, espionando meu desespero a auscultar minhas emoções. Os pingos d’água na vidraça compunham doloroso calidoscópio, alternavam passado e presente, imagens confusas da infância e closes do meu gélido quarto vazio, silencioso e escuro, onde em espasmódica agonia, ouvia os seus passos em surdina. Campos ensolarados da Horizontina natal e esta bruma espessa do presente. Esta solidão opressiva e mofina e a imagem de cada amigo e parente. Não a via, na falange dos fantasmas, só seus passos, ritmados, em surdina, retumbavam, no silêncio sepulcral, metodicamente medindo distâncias. Em delírio, julguei vislumbrar, o corvo, de mau-agouro, de Poe, a surdir, a grasnar, a murmurar. Uma antiga, pia e ingente prece? Velha e pungente canção de ninar? Profundos e emotivos versos de amor? Não! Ecoavam, confusos, no ar, qual os pios de gaivotas no cais, monótonos, constantes, sem cessar: "Nunca mais! Nunca mais! Nunca mais!" Tenso, mas imóvel, eu ouvia, da minha amada, os passos em surdina, e censuras, e lamentos e quetais, confundidos com os sombrios augúrios do corvo, esquivo, negro, sombrio... Ouvia, comovido, seus murmúrios, os "nunca mais! nunca mais! nunca mais!", os seus passos medidos, ritmados, e os seus queixumes, suspiros e ais. Nota do Editor: Pedro J. Bondaczuk é jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte . Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros "Por uma nova utopia" (ensaios políticos) e "Quadros de Natal" (contos).
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