Na infância, no inverno ou no verão, o mar está sempre presente, como fonte de poesia e um sinal de que não é possível, numa civilização atlântica, afastar-se dele. Ao seu redor componho a canção de uma vida e suas metáforas: movimento, contemplação ou divindade. Tudo é tão próximo que passamos da solenidade para o castelo de areia, do susto para a graça, e da memória para o plano de vôo. Braço de mar
O mar é sempre maior e o luar lhe faz a corte Não há medida do homem entre a praia e o horizonte O mar já veio antes da onda inventar o tempo É ele quem trai o porto e acende o pavio da bomba que puxa a noite do poço e corta os pulsos da sombra E mesmo no sol, o mar transa seu jogo de conveniências suas algas postas de molho sua escultura sem cabeça O mar é sempre o começo Mar dos nove anos
O mar na minha infância como um trem no sonho de um louco um disco voador na porta dos fundos como o fim do mundo com ondas voltando de viagem O mar como um desastre como um avião que cai no mar O mar como nunca verde-claro com rendas de espuma a dois passos de mim como um trunfo, um presente a ser guardado para sempre um bloco de anotações um lenço dobrado Como pássaro de sal com plumas de água o mar levantou vôo na memória como as pandorgas que se enforcam nos fios Aquele mar se afogou no tempo escapou das mãos como um peixe pequeno É bom o mar
É bom o mar não ter dono Não ser potro nem mordomo Poder engolir Netuno Espumar sal das esferas Ninguém pasta no seu dorso Nenhum nó ata sua vela Gávea que traz no bojo Bóia que a flor navega Como repasto de pedra Como fermento de estrela São peixes fora do espelho São aves em assembléia O bom do mar é que dançam numa volúpia serena os versos feitos por anjos que estudam com muito esmero o mar, esse Deus travesso que se bobear pega praia Nota do Editor: Nei Duclós é autor de três livros de poesia: “Outubro” (1975), “No meio da rua” (1979) e “No mar, Veremos” (2001); e de um romance: “Universo Baldio” (2004). Jornalista desde 1970 e bacharel em História. Trabalha atualmente em Florianópolis, onde é editor-executivo de duas revistas.
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