Tirar a questão da inadimplência do "core" das operações de crédito; apresentar um portfólio de produtos voltado para o público "target"; planejar a comunicação com base em sonhos de consumo e, por último, gerir adequadamente a inadimplência. Essas são as quatro peças que compõem o desafio de conquistar o público de baixa renda. Montado o quebra-cabeças, as perspectivas de crescimento dos negócios com esse público são enormes. Essa é a opinião do diretor do instituto InterScience, Paulo Secches, apresentada no 1º Congresso Brasileiro de Meios Eletrônicos de Pagamento. Secches tem por base uma série de pesquisas da instituição junto a esse público. Dos domicílios pesquisados, 68% têm renda total de até cinco salários. Cerca de 17% têm computador e 80% dos que moram nesses domicílios não têm acesso à Internet. Dado importante: 52% dos integrantes do grupo pesquisado não têm relação de trabalho formal, o que significa que não tem renda definida e não têm data para receber. Em termos de uso de serviços bancários, por exemplo, essa situação leva as classes mais baixas a fazer quase que exclusivamente pagamento de contas em dinheiro - 78% pagam em dinheiro vivo, 80% realizam as operações na boca do caixa e desse universo 75% usam caixa eletrônico, mas são raros os casos de uso de débito automático e o Internet banking, já que a rede está presente em poucos lares nesse grupo. A partir dos números revelados pela pesquisa, chega-se à seguinte linha de raciocínio, segundo Secches: (1) a renda é variável e instável; (2) portanto, é preciso manter o controle dos gastos; (3) é preciso manter as contas em mãos para, assim que for possível, pagá-las - daí o gosto pelo uso de carnês. "As classes mais baixas possuem um sistema próprio de fluxo de caixa", avalia Secches. A estrutura de gastos com consumo das classes mais baixas revela que, do total dos que possuem linhas de crédito, somente 45% utilizam essas linhas de crédito, o que aponta para um enorme potencial de crescimento ainda não explorado. O potencial de crescimento dos produtos de crédito junto às classes mais baixas, segundo a InterScience, é de 325% no caso do cheque especial, de 600% no caso de financiamento de veículos e de 86% para os cartões de crédito. "Há uma percepção de que esse público não tem interesse em produtos como cartões de crédito. Na verdade, o portfólio de produtos é que deve ser reformulado", afirmou. Uma pergunta endereçada às classes mais baixas mostrou com ainda mais veemência o potencial de crescimento do crédito para esse público: 52% tem como maior sonho a casa própria e 35% realizariam esse sonho se tivessem crédito para essa finalidade. O automóvel é sonho de 49%, sendo que 23% aceitariam crédito para comprar esse tipo de bem e 33% desejam abrir um negócio e 12% tomariam essa decisão se tivessem crédito. Diante da constatação de que há, sim, demanda para o crédito pelas classes baixas, por que então esse segmento não deslancha no crédito? Primeiro: porque há um foco na inadimplência - "cria-se uma noção de castigo para a inadimplência. O cliente tem a impressão de que será apedrejado em praça pública se atrasar o pagamento, por isso evita tomar crédito". Em segundo lugar, porque as classes baixas têm sonhos de consumo muito parecidos com os da classe média (carros, viagens etc.), que não são trabalhados na mensagem que se passa quando se fala em crédito. Fala-se apenas que crédito é um socorro para os que estão com problemas financeiros. E, terceiro, porque, diferentemente do que se imagina, as classes mais baixas têm, sim, uma percepção de que os juros dos crediários são altos (o conceito que prevalece é o de que, para esse grupo, a decisão de tomar crédito está ligada à idéia de a prestação "caber no bolso"). As peças estão na mesa. Caberá ao mercado montar esse quebra-cabeça.
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