João queria revolucionar o mercado inflacionário do sonho. Resolveu que iria comprar com seu parco salário-mínimo um mundo encantado para Maria. Um planeta inteiro, onde milhares de girassóis dourados iluminariam os dias oníricos e as girândolas, como carrosséis coloridos, seriam as estrelas noturnas. Compraria um vestido de seda fiado na roca da vontade, tingido com a mais pura púrpura de um contido bem-querer em que as formas de Maria seriam realçadas. Sem as estrias roxas das varizes nas suas pernas fortes, de canelas fininhas, que o dono da tecelagem lhe deu, através dos anos, como abono-produção. Sem as marcas da celulite, da falta da luz do sol. Sem os sinais de desnutrição, presentes de debutante, dados pelos seus pais, no dia em que completou seus verdes quinze anos. Compraria, para Maria, um diadema dourado para prender seus cabelos que o tempo, tinhoso, pintou. Marfim do mais fino, genuíno, que substituísse a dentadura, enegrecida pelas cáries, borrada de nicotina, prêmio macabro a marcar-lhe o sorriso que a miséria lhe outorgou. Compraria um véu diáfano para cobrir de mistérios, ao estilo oriental, o rosto magro de Maria, sulcado de cicatrizes, textura de pergaminho onde a vida escreveu uma história banal. Apagada. Triste. Comum. Proletária, de anos de posses minguadas, e de filhos para criar. Na fila modorrenta do INPS, João Tibúrcio da Silva, nordestino, com a graça de Deus, portador da senha de atendimento de número trezentos e sessenta e cinco, esperava para receber o décimo auxílio-natalidade. Mas queria, por causa de Maria, sofrida, pisada e grávida, revolucionar o mercado inflacionário do sonho e conquistar, não se sabe a que custo, a própria identidade! Nota do Editor: Pedro J. Bondaczuk é jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros "Por uma nova utopia" (ensaios políticos) e "Quadros de Natal" (contos).
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