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12/11/2006 - 06h08
A anorexia não é um mal da modernidade
 
 

Objeto da dissertação de mestrado da psicanalista Cybelle Weinberg, defendida na FMUSP, a anorexia teve origem no jejum religioso de santas e beatas medievais

Quem acredita que a anorexia nervosa é um distúrbio dos tempos atuais, em que a magreza é o símbolo da beleza, está enganado. A privação alimentar é um fenômeno muito antigo, do período medieval, que teria origem na mística religiosa. "Do Altar às Passarelas - Da anorexia santa à anorexia nervosa" (Annablume Editora) é o título do livro que acaba de ser lançado pela psicanalista Cybelle Weinberg e pelo psiquiatra Táki Athanássios Cordás. O trabalho é resultado da dissertação de mestrado de Cybelle, defendida em 2004, na Faculdade de Medicina da USP. Táki Cordás foi seu orientador. Ele é professor de Pós-Graduação da FMUSP e coordenador do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (Ambulim) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.

O livro derruba o conceito de que a anorexia é "um mal da modernidade". Os autores fazem um passeio pela História e tentam compreender até que ponto o desenvolvimento de um quadro psiquiátrico pode ser influenciado pela cultura. "Percorrendo a literatura especializada, percebemos que, no que se refere ao quadro clínico da anorexia nervosa, o confronto entre o biológico e o cultural parecia inevitável. Assim, o estudo da anorexia, de uma perspectiva histórica, contribuiria para a investigação sobre o que deriva diretamente do processo orgânico e o que se configura como influência cultural na gênese e manutenção do quadro", justifica Cybelle Weinberg na apresentação do livro.

Ao analisar patografias (biografias históricas a partir de um ponto de vista psicológico e psiquiátrico) de santas e beatas da Idade Média, os autores descobriram que o jejum religioso era comum naquela época e se configurava como uma forma de se aproximar de Deus. Um dos modelos de inspiração do jejum entre as religiosas foi Santa Catarina de Siena. "Nas biografias são freqüentes os relatos de que elas teriam iniciado seu comportamento ascético tendo como inspiração Santa Catarina de Siena. E dentre essas seguidoras de Catarina, como por exemplo Santa Rosa de Lima, muitas foram tomadas como modelo por tantas outras jejuadoras". Santa Catarina de Siena viveu entre 1347 e 1380, na Itália. Com apenas sete anos ela decidiu dedicar sua virgindade à Virgem Maria, e ao mesmo tempo, tomou a decisão de nunca mais comer carne.

Séculos mais tarde, o jejum religioso entrou em declínio. Entre os fatores apontados no livro está a decisão da Igreja Católica Romana, no século XVIII, de adotar regras mais restritivas para a canonização. O estudioso Próspero Lambertini, que foi coroado como papa Benedito XIV, concluiu que "não era o jejum que fazia a santidade, mas a santidade do jejuador que determinava a santidade do jejum". Outra explicação para o declínio do jejum religioso foi "a valorização do jejum como espetáculo, com as ’virgens jejuadoras’, cuja capacidade de viver sem comer era explicada como milagre". Um dos exemplos mais famosos foi Sara Jacob, uma garota irlandesa, que começou sua abstinência contínua aos 10 anos de idade. Seu jejum foi visto com ceticismo, particularmente pelos médicos. Ela teria sobrevivido dessa forma durante anos. Mas, quando Sara faleceu, "os resultados da autópsia mostraram que ela deveria ter comido regularmente, escondido".

O emagrecimento exagerado também foi perseguido no século XIX pelas "meninas cloróticas". A clorose era um transtorno alimentar e foi descrita por médicos ingleses e americanos como um grave e comum problema entre as meninas adolescentes. "O diagnóstico de clorose ou ’doença verde’ fazia-se na presença de palidez, fraqueza, cansaço, irritabilidade, constipação e irregularidade menstrual ou amenorréia. O apetite reduzia-se, levando por vezes a um pronunciado emagrecimento e tornava-se caprichoso, apresentando aversão por alguns alimentos, especialmente carnes vermelhas". Cybelle Weinberg e Táki Cordás afirmam que esse quadro foi descrito pela primeira vez em 1554, por Johannes Lange. Ele chamava a clorose de "doença das virgens", que era causada por uma "febre amorosa" e que se curaria com o casamento, o intercurso sexual e a maternidade. "Essa enfermidade desapareceu por completo dos registros médicos por volta da terceira década do século XX".

A primeira descrição na literatura médica da anorexia nervosa, de acordo com Cybelle Weinberg e Táki Cordás, foi feita pelo médico inglês Richard Morton, em 1691. O caso de Miss Duke foi o que mais chamou a atenção. "Em julho de 1684, quando Miss Duke tinha 18 anos, seu ciclo menstrual foi interrompido, motivado por ’preocupações e paixões de sua mente, sem nenhum outro sintoma da doença verde’". Morton descreveu a paciente, após o primeiro contato, como "um esqueleto apenas coberto de pele" e afirmou que nunca havia visto nada igual em toda sua prática médica. Segundo os autores do livro, "a perplexidade de Morton, quando obrigado a lidar com uma paciente que parecia ter escolhido o jejum e que recusava ajuda, abriu espaço para a consideração das bases emocionais do transtorno alimentar".

O livro também coloca a indagação: "anorexia nervosa moderna: uma outra anorexia?". Os autores afirmam que houve um aumento da incidência da anorexia nervosa nas últimas décadas e relatam alterações significativas em relação à psicopatologia da doença e mudanças na sua forma, especialmente com o aparecimento da bulimia nervosa, caracterizada por episódios de compulsão alimentar, técnicas para induzir vômito e um horror mórbido à gordura. "O sinal de que houve uma mudança na natureza da psicopatologia central da anorexia nervosa evidencia-se pela preocupação mórbida da anoréxica com seu peso e seu horror a engordar". O aumento da incidência da doença teria como explicação as pressões sociais cada vez maiores para que as mulheres tenham um corpo magro.

A proposta do livro da psicanalista Cybelle Weinberg e do psiquiatra Táki Cordás é confirmar a hipótese de que a anorexia nervosa não é um fenômeno recente. "Em primeiro lugar, corrige posições simplistas segundo as quais a anorexia nervosa seria um novo transtorno - um mal da modernidade. Em segundo lugar, colocar a anorexia nervosa moderna em perspectiva histórica permite comparar comportamentos que nos surpreendem pela proximidade e levam a uma melhor compreensão do quadro". De acordo com Cybelle Weinberg, a doença encontra na cultura diferentes formas de expressão, e os ideais variam conforme a época. "Se as santas medievais almejavam a comunhão eterna com Deus, as anoréxicas de hoje se contentam com a glória efêmera das passarelas".

Os autores

Cybelle Weinberg

Psicanalista, membro do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP. Colaboradora do Projeto de Ensino, Assistência e Pesquisa em Transtornos Alimentares na Infância e Adolescência (PROTAD) do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (AMBULIM) do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP e coordenadora da Clínica de Estudos e Pesquisa em Psicanálise da Anorexia e Bulimia Nervosa (CEPPAN).

Táki Athanássios Cordás

Psiquiatra, coordenador geral do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (AMBULIM) do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP. Professor de Pós-Graduação e membro do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP.

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