Os herdeiros da família Antunes de Sá, há quase de 40 anos, vem resistindo à invasão de vários grileiros. Tudo começou, na década de 1970, quando o senhor Mário Gonçalves dizia ser dono da fazenda Caçandoca e dizia que todos os moradores teriam que desocupar a terra, inclusive, os membros da família Antunes de Sá. Depois de algum tempo Mário Gonçalves foi embora porque os familiares de Antunes de Sá entraram com uma ação na Justiça e ganharam a causa. A trégua foi pequena, porque em seguida apareceu um outro grileiro, o advogado Renato Teixeira, que chegou a expulsar a família de Antunes de Sá da Caçandoquinha, auxiliado por policiais. Parte da família foi morar no Saco das Bananas, no morro e deixou a praia para o grileiro, que logo vendeu as terras. Na realidade, Teixeira sabia que havia perdido a ação na Justiça e se aproveitou do fato de a família ser analfabeta e assim, não conseguir ler a sentença do Juiz, que determinava permanência dela na praia da Caçandoquinha. A Caçandoquinha foi vendida para um senhor que até hoje se diz dono. Ele não aparece na propriedade, mas deixou um caseiro tomando conta do local. A família Antunes até hoje, mora no Saco das Bananas e na Caçandoca, sem recuperar o que de fato lhe pertence. A mudança para o Saco das Bananas, não só significou uma grande perda, como também não trouxe sossego para os Antunes de Sá. A saga continuou. De acordo com Benedito Antunes de Sá, de 72 anos de idade, lá também apareceu um suposto dono, um tal senhor Marcondes, que se dizia proprietário do trecho que vai do Saco das Bananas até a praia do Simão. Ele também perdeu a causa na Justiça e foi embora. Mas, na década de 1970, chega o senhor Araken Santana abraçando o Saco das Bananas como propriedade dele. Aí a coisa pegou. Houve enfrentamento, lutas e até tiroteio. Os capangas de Araken enfrentaram o senhor Benedito e os seus sete filhos homens. Até hoje, a marca permanece. Alguns dos filhos, vítimas dos tiros, trazem no corpo os projéteis da época. Araken Santana não apareceu mais por lá, mas deixou os capangas tomando conta da região, onde uma placa avisa que ele é o “verdadeiro” dono. E as agressões continuaram. Canoas, rede de pesca, as casas, as roças, tudo era destruído. Como se tudo isso não bastasse, logo em seguida, a Urbanizadora Continental invade a Caçandoca, como relata Neide Antunes de Sá, filha de Benedito: “O dono da Continental e os empregados dele chegaram arrasando, com máquinas pesadas, dezenas de caminhões, destruindo resquício da antiga sede da fazenda, nossas plantações de abacaxi, café, laranjas, bananas, caju e mandioca. Esses produtos eram o nosso sustento. Vendíamos para os moradores da Praia da Maranduba, Lagoinha, Lázaro etc. Muitas vezes, os homens da Continental pegavam os sacos de farinha das costas de um de nós e jogavam fora. Chegaram a atropelar, propositadamente, o meu pai que, graças a Deus, conseguiu se recuperar. Mas, eles fecharam a única Escola da região e interditaram o caminho que ia até a Escola. Depois de tempo de sofrimento, meu pai, o senhor Benedito, foi até Brasília, falar com o presidente da época, acho que era o Geisel. Ele falou com o Figueiredo também. E me lembro que o presidente entregou um documento para papai levar ao Exército de Caçapava e o Exército intimou a empresa Continental e a Escola foi reaberta”. Muitas famílias, que hoje pertencem à Associação de Remanescentes do Quilombo da Caçandoca, venderam suas terras naquela época, porque não conseguiram resistir, como a família Antunes de Sá. Hoje, depois que o presidente Lula concedeu a posse das terras para o Quilombo, elas voltaram. Agora, a família Antunes continua sofrendo, mas, pelos próprios irmãos da raça. Está sendo taxada de invasora, por alguns membros da Associação dos Remanescentes, que são, muitas vezes, apoiados por funcionários da entidade e de órgãos governamentais. Eu, Eliane do Prado, e a família Antunes de Sá, sabemos e temos como provar que somos a origem das famílias quilombolas da região e somos herdeiros do dono dessas terras reconhecidas pelo Governo Federal. Logo após a desapropriação das terras, o INCRA enviou uma notificação de desocupação imediata para a família Antunes de Sá. O INCRA não vem desenvolvendo trabalhos com a comunidade, argumentando que possui políticas públicas apenas com a Associação, mas, sabemos que o Instituto tem que trabalhar com a comunidade. Estamos indignados, porque o INCRA, através da Associação de Remanescentes de Quilombo Caçandoca não reconhece nossa legitimidade e vem nos excluindo de todas as maneiras. A nós e a outras famílias que fazem parte da árvore genealógica. Já tentamos nos fazer ouvir muitas vezes. Em janeiro deste ano (2006), o Quilombo recebeu a visita do deputado federal Vicentinho, da ministra Matilde Ribeiro, de funcionários do SEPIR e de representantes da Prefeitura de Ubatuba, No final do encontro, tentamos nos aproximar da ministra, mas, o presidente da Associação, Antonio dos Santos, puxou a ministra pelo braço, dizendo que era hora do almoço e que depois ela voltaria. Sabíamos, entretanto, que isso não era verdade e decidimos ir até o Centro Comunitário, onde seria servido o almoço. Novamente fomos excluídas. Diante de tantas discriminações e injustiças, estamos apelando para os meios de comunicação, para que todos conheçam a nossa história e o outro lado do Quilombo Caçandoca. Em maio deste ano, chegamos a protocolar um documento, com todo o nosso histórico, no Ministério Público Federal. Somos parte legalmente, desta comunidade, reivindicamos nossos direitos como verdadeiros quilombolas, pois sabemos que somos mesmo, remanescentes de quilombo, de legítima origem africana. Talvez possa surgir a pergunta: por que esta família não se associa? É porque a Associação exige que paguemos R$ 10 mil por sócio. E nós perguntamos: Será que durante o tempo que permanecemos aqui, que resistimos às lutas com os grileiros, brigando por nossa terra e por nosso povo e por nossa dignidade, passando por tantas dificuldades, para que todos os irmãos tivessem condições de voltar para casa, não significa nada? Eliane do Prado, membro de família de remanescente, que espera por justiça. Nota do Editor: A revista O Guaruçá abre espaço para todos os citados no texto acima.
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