É quase uma unanimidade entre setores da população, operadores do Direito, profissionais e autoridades que o sistema prisional existente no século 21 é nocivo à sociedade. E que o modo com que esta lida com a criminalidade é, no mínimo, equivocada, visto que prevalecem a repressão e a vingança, em detrimento da prevenção e da educação. Estudos no Brasil e em outros países já demonstraram a ineficácia do modelo de encarceramento como forma de controle social e garantia da Justiça. Apesar disso, a prática se mantém. Afinal, que variáveis influenciam na continuidade das instituições prisionais como alternativa privilegiada de controle da criminalidade? Quais os pressupostos e ideologias envolvidas na sustentação da lógica da privação de liberdade? Ao examinar esse assunto é possível verificar um conjunto de variáveis, sobrepostas no decorrer da História, que, desde o século 17, articulam uma forma de lidar com os indivíduos diferentes, não produtivos ou indesejados, que ameaçam ou infringem normas sociais vigentes. Essas normas, construídas tradicionalmente por aqueles que detêm o poder, caracterizam o certo e o errado e tipificam os comportamentos transgressores, ou seja, os crimes. Ao mesmo tempo, designam a equivalência entre os crimes e as medidas de compensação e punição. Considerando esses fatores, no Brasil, é possível identificar que os indivíduos sujeitos ao sistema jurídico e penal são, na maior parte, pobres, jovens, homens e negros; cujos crimes são, majoritariamente, contra o patrimônio; e, como forma preferencial de punição está o uso da pena privativa de liberdade. Algumas hipóteses podem ser apresentadas para explicar a perpetuação das prisões. A primeira seria com relação à natureza individualizadora do crime, ou seja, a sociedade parece aceitar a idéia de que a responsabilidade do comportamento criminoso se deve única e exclusivamente ao sujeito. A segunda tem a ver com intenção vingativa das medidas retributivas aplicadas em nome da Justiça, ou seja, o sujeito deve pagar com o máximo de sofrimento e restrição possível, que seria a pena de restrição de liberdade (em geral, cumprida em instituições cujas instalações são precárias, com rotinas que impedem a expressão da individualidade, ausência de atividades laborais e educativas significativas, violência física e psicológica...). E a terceira diz respeito ao distanciamento que localiza o "bem" e o "mal", segregar o "delinqüente" é uma maneira de criar um território e personalizar o "mal", por conseqüência, todos que estão do lado de fora desse território são os cidadãos de bem, que precisam ser protegidos. Esses aspectos, entre outros, demonstram a complexidade na qual estão envolvidas as prisões. São relações que têm interface com as concepções de ser humano, sociedade, criminalidade e justiça, influenciadas pelas dimensões social, econômica e política. Concepções essas que precisam ser conhecidas para construir outra forma de a sociedade lidar com a criminalidade. É o que se propõe a fazer o 3º Seminário de Gestão Prisional, Segurança Pública e Cidadania, que traz um time de especialistas a Joinville (SC) nos dias 2 e 3 de outubro, a fim de fortalecer o debate em torno de questões como essa. Nota do Editor: Valdirene Daufemback, psicóloga e integrante do Conselho Carcerário da Comunidade, em Joinville/SC.
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