Quando a ostra deixa de ser iguaria e passa a vilã da alimentação
Agência USP de Notícias - Qual a probabilidade de se comer uma porção de ostra crua e passar mal? Uma em 2.100, se ela vier de Cananéia, no litoral Sul de São Paulo, como mostra uma pesquisa da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP. O estudo Avaliação quantitativa do risco de doença, causada por Vibrio parahaemolyticus, associado ao consumo de ostras (Crassostrea brasiliana) cruas cultivadas e comercializadas no Estado de São Paulo, realizado pelo engenheiro de alimentos Paulo de Souza Costa Sobrinho, traz dados sobre o alimento e a presença de uma bactéria em especial, Vibrio parahaemolyticus (Vp). A tese de doutorado de Costa Sobrinho foi defendida no início de agosto, sob a orientação da professora Mariza Landgraf. "O Vibrio parahaemolyticus (Vp) é um microorganismo natural do ambiente marinho e o maior causador da gastrenterite de origem bacteriana associada a pescados", comenta o pesquisador, referindo-se à doença que causa dores abdominais, diarréias, náuseas, dores de cabeça, febre e calafrios. "São raros os casos em que há infecção generalizada", complementa. Vp é comum em regiões de estuários, por isso pode estar presente em qualquer tipo de pescado. Ao ingerir a ostra em estado cru, a possibilidade de contrair a doença aumenta, principalmente se levarmos em conta que ela filtra a água em que vive para se alimentar, alojando o microorganismo. Costa Sobrinho acompanhou a produção de duas empresas de Cananéia que comercializam o produto, desde o cultivo até a entrega em restaurantes ou no varejo. Depois de retirado da água, o molusco passa por um processo de depuração, ou limpeza. As ostras são imersas em águas tratadas com ozônio ou luz ultravioleta, e como se alimentam por filtração - de partículas em suspensão na água -, essa água filtra as impurezas, incluindo os microorganismos de sua carne, como uma esponja cheia de sabão sob uma torneira ligada. Acontece que este processo, da forma como é feito pela indústria, não é eficiente para reduzir ou eliminar as bactérias naturais da ostra (ou autóctones). Apenas os microorganismos exógenos, como coliformes, Salmonella, Escherichia coli ou o vírus da hepatite A são eliminados. Isso quer dizer que estes agentes só poderão causar doenças aos apreciadores de ostras se as mesmas não forem tratadas conforme as exigências do Ministério da Agricultura e da Vigilância Sanitária. Nem todos os Vp fazem mal ao homem. O pesquisador isolou 2.243 bactérias, mas somente em uma detectou fatores que poderiam levar à gastrenterite. "Uma ostra pode ter uma ou nenhuma bactéria Vp patogênica", afirma Costa Sobrinho, que trabalhou com 123 amostras na etapa de cultivo, cada uma com 12 unidades do molusco. A presença do Vibrio parahaemolyticus patogênico também pode variar, dependendo da região do cultivo e da estação do ano. "Nos Estados Unidos, por exemplo, a presença varia de 0,2% a 3% do total de bactérias VP detectadas em ostras". O vilão é o transporte O problema, no entanto, não são as bactérias presentes no cultivo das ostras, mas as que surgem depois: a temperatura em que são conservadas propiciam sua reprodução. No cultivo, a quantidade de Vp por grama do alimento é, em média, de 1.000 indivíduos. No consumo, pode chegar a 1 milhão por grama - que equivale a uma infecção a cada 2.100 porções, em média. E, caso a população de Vp atinja 10 milhões de bactérias por grama de ostra, o risco ao longo do ano é de 1 a cada 400 porções. "O controle da temperatura durante o transporte, na estocagem e no local de consumo é fundamental para reduzir os riscos e não permitir que as bactérias nativas se multipliquem", conclui. A dica do pesquisador é comprar ostras com certificação e que estejam refrigeradas na hora do consumo, em geladeira ou sobre cama de gelo. Jamais em temperatura ambiente: a bactéria tem tempo de geração de 10 minutos em 37°C, ou seja, o tempo necessário para ela se multiplicar em duas. O diferencial da tese, segundo o autor, foi trabalhar com a avaliação de risco, que envolve uma metodologia complexa e que demanda conhecimento científico sobre a bactéria ao longo de toda a cadeia produtiva do alimento e também dados epidemiológicos que validem os resultados obtidos. Paulo criou um modelo dinâmico que identifica fatores e simula cenários para avaliar o comportamento do Vp como um perigo microbiológico, desde o cultivo da ostra até o seu consumo. A escolha do microorganismo associado ao molusco veio de uma carência de estudos, indicada pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), sobre a incidência e a população do Vp em pescado e a necessidade de obtenção desses dados em escala mundial. Segundo Costa Sobrinho, seu trabalho "permite uma avaliação sistemática de estratégias para minimizar o impacto na saúde pública, não somente de V. parahaemolyticus, mas de vários outros microorganismos patogênicos presentes na ostra, principalmente as outras espécies do gênero Vibrio, como Vibrio cholerae e Vibrio vulnificus", finaliza. Mais informações: psobrinho@hotmail.com, com Paulo de Souza Costa Sobrinho, ou professora Mariza Landgraf, (0**11) 3091-2191.
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