A tradição oral sempre foi o meio de comunicação mais eficaz, onde não existe outro meio de se levar notícias. Nos meios comunitários, onde a comunicação é direta, tudo se sabe no veículo da tradição, de boca em boca. E partindo-se do brocardo popular de que "onde há fumaça há fogo", não se pode deixar de acreditar no que está circulando na "Vila Apolinário", onde existem vários moradores. A notícia oral que corre é que seria assinado um "TAC", entre autoridade do Meio Ambiente e representante da ELEKTRO, com o objetivo de retirar os relógios de luz e os postes de distribuição da referida Vila, e assim, promover um apagão, o que deixaria as famílias, em grande parte aposentados, sem condições de usar suas residências no local. Em primeiro lugar que autoridade ousaria promover um ato tão drástico, tão injusto, tão antidemocrático, tão contra o bom senso, em plena campanha federal do programa "luz para todos", determinando a uma prestadora de serviços, um ato de rescisão unilateral de um contrato de fornecimento aprovado, vistoriado há mais de cinco anos e cumprido pela CESP, portanto negócio jurídico perfeito e acabado, com direito adquirido, em quinze padrões de ligação? A pergunta que cabe é: Por que o Poder Público, apela para recursos extremos, ilegais, eu diria, para não dizer arbitrários e drásticos, contra pessoas simples que não estão armadas de espírito anti-ambientais, muito pelo contrário, conscientes das necessidades do desenvolvimento sustentável, e que apenas exercem seu legítimo direito de ocupação e posse, esta em sua maioria tradicional, e que, por força de decretos e regulamentos discutíveis juridicamente, foram "malhadas" no círculo do Parque Estadual da Serra do Mar, o qual teve início num plano de gestão, na quota 100, depois, como uma "tsuname", em sentido contrário, foi descendo serra abaixo, até a praia, na quota 0? Não se tratando de ordem judicial, a medida se aninha somente na vontade política da autoridade e, neste caso, a Elektro apenas estará atendendo a uma solicitação da autoridade ambiental que não pode emitir ordens, mas somente promover ações, vontade que pode restar infrutífera, face ao remédio das ações judiciais cabíveis. No meu entender a autoridade ambiental não pode emitir ordens, somente o Poder Judiciário. Dest’arte, a Elektro não estaria obrigada a cumprir determinações que não sejam emanadas da Justiça. Se o faz é por entendimentos amigáveis, por vontade política, consciente e inegável. Essa prestadora de serviços concedidos pelo Poder Público, tem a obrigação de submeter a ordem à Justiça, a quem competiria decidir sobre a legalidade, num processo, com direito de ampla defesa, porque muitos direitos estão envolvidos na questão. Resolvi escrever sobre o assunto porque a notícia propalada já é de domínio público no lugarejo citado e porque é oportuno emitir minha opinião sobre uma questão tão polêmica. Minha opinião é como advogado, nada pessoal, mesmo porque também tenho elogiado o que de bom se fez em Ubatuba, em matéria de política ambiental. Tenho em alguns casos aplaudido a representante regional do Ministério Público Ambiental, porque os planos de gestão e manejo dessa política precisam de "mão de ferro" para sua execução. Porém, não aprovo medidas drásticas para nada. Acho que o direito é um instrumento do Estado Democrático e deve ser aplicado sempre com justiça e bom senso. Claro que sou a favor do desenvolvimento sustentável, da preservação dos recursos naturais do Município, seus recursos hídricos prioritariamente, principalmente porque sei que dentro de vinte anos a água potável será mais valiosa que o petróleo para as populações do mundo inteiro, mormente do velho mundo. Acho que a implantação do Parque Estadual da Serra do Mar, vem sendo executada, em muitos casos, sob uma falsa premissa de que o Estado tem domínio sobre grande parte das terras do Município, e sem respeito aos legítimos possuidores, sem respeito à ocupação de áreas remotamente descaracterizadas, impedindo a habitação e intenção de pessoas nativas de desenvolverem sua cultura. Caberá à Eletro a medida drástica do desligamento das luzes, ao arrepio do direito adquirido, e a medida extrema poderá gerar um apagão geral dentro do Parque, porque é também ditado popular que "quem faz um cesto faz um cento". Lógico que decisão judicial poderá reverter a situação. Isso é um alerta pois creio que todos que vivem dentro da área definida como Parque Estadual, estarão sob a mesma espada. Acredito que se reverterá a situação e prevalecerá a vontade do povo, com respeito aos seus direitos adquiridos, à propriedade e a posse legítima, cujo conhecimento é da competência do Poder Judiciário. Tenho defendido a tese de que o Estado não tem domínio algum dentro do Município. Em suas ações discriminatórias não provam seu domínio, pressuposto necessário, segundo já julgou o STF. Se o Estado quer domínio dentro do Parque da Serra do Mar, deve investir nas indenizações e desapropriações onde houver legítimo direito de posse ou propriedade. Na verdade o Estado estabeleceu servidões invisíveis de fiscalização de áreas de preservação, em seus decretos e leis ambientais. Isso não interfere em nada com o direito de propriedade privada. Creio que as ações discriminatórias propostas pelo Estado não terão guarida nas instâncias superiores, pois não pode o mesmo pedir discriminação de terras particulares, sem legitimidade para tanto. Seria necessário provar, na petição exordial, seu domínio. A Procuradoria do Estado entende que este tem domínio sobre terras devolutas oriundas das Sesmarias que foram transferidas da União para os Estados. Porém, segundo a historiadora e pesquisadora da USP, doutora Maria Luiza Marcilio, em sua obra "O Caiçara", as Sesmarias, criadas pelo Reino de Portugal, no Município de Ubatuba, não prosperaram, sendo que na maioria foram vendidas a particulares, caindo, portanto, no domínio privado, com simples ocupação possessória, sem registro público, situação que durou mais de cem anos até o advento da edição do Código Civil pátrio, como registrado nos arquivos da Paróquia. A pesquisadora realizou estudos na França, Portugal e nas Dioceses brasileiras que mantém os documentos de posse de famílias de Ubatuba. Assim, sem origem o domínio do Estado, não pode o mesmo sequer pedir discriminação de terras particulares. O que o Estado pode é criar mecanismos jurídicos para fiscalizar os recursos minerais e os crimes de dano e degradação de florestas e do meio ambiente em geral. Não pode instituir normas que afrontem a autonomia do Município, garantida pela constituição federal, nem intervir em sua administração, salvo nos casos previstos na lei maior. Porém, a política ambiental quer promover o reflorestamento de áreas já descaracterizadas pelos sítios caiçaras e por proprietários de terras, remotamente. Para isso, sem utilizar dos meios lícitos, tem criado artifícios para recuperar a vegetação, onde ela já não existe há muito tempo. O ideal seria evitar devastação nos locais dos recursos minerais e controlar, de modo equilibrado, em consonância com a política municipal, mas respeitando a autonomia do Município e as necessidades de sua população. Por sua vez, o Município pode organizar suas terras, como previsto no inciso VIII do artigo 30 da Carta Magna. Isto quer dizer que ele pode legislar complementarmente em matéria de meio ambiente. Pode, por lei municipal, criar seu Plano Viário e implantá-lo, onde quer que seja dentro do Território do Município. Pode criar seu Plano de Desenvolvimento e Expansão Urbana e seu Plano de Desenvolvimento Rural, com instalação de seus sítios hortigranjeiros, cuja produção já liderou no CEASA nos anos sessenta, quando aqui chegaram os japoneses, devido ao seu clima especial e chuvoso. Enfim, pode planejar a ocupação do solo. O dispositivo citado instituiu que "compete aos Municípios: ...VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano". Nessa autonomia municipal creio que o Estado não pode intervir, criando planos de administração costeira e de ocupação. Não. Inclusive nos terrenos de marinha, só a União pode fiscalizar, sendo indelegável esse poder de polícia. Assim, fiscalizar as servidões invisíveis estabelecidas pelo Estado e os recursos minerais existentes no Município, e reprimir os crimes de dano e degradação é a função das autoridades ambientais do Estado, isto sem intervir na questão de posse e propriedade particulares, principalmente seus direitos adquiridos, e na autonomia municipal. O resto compete ao Município e na questão do conhecimento de outros direitos, inclusive de propriedade ou posse legítima é assunto do Judiciário. Jogar duro contra a população, com medidas extremas, sob o escudo da defesa ambiental, não é licito nem democrático.
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