As notícias de novas invasões a centros de pesquisa biotecnológica de empresas internacionais, que atuam no Brasil há mais de 40 anos, coincidem com o acirramento da divulgação de supostos malefícios da tecnologia moderna na agricultura - sempre baseados em evidências nada científicas. A verdade é que as invasões violentas em nome dos direitos sociais do homem do campo hoje inovam ao se desligar da luta pela dignidade dos agricultores sem terra e minifundiários para mirar na ciência, alegando portar as sementes de uma nova sociedade sustentável e igualitária. Mesmo privilegiando a ação como uma arma a serviço de princípios simbólicos, os invasores não podem se negar a discutir as conseqüências de suas atitudes. Muito menos se pode dizer que a ocorrência de mortes, e mesmo a destruição de trabalhos sérios de pesquisa, sejam pouca coisa. Crime é crime, por mais inventivos que alguns de nossos representantes da legalidade vigente pareçam ser. Todavia, a análise dos desdobramentos dessas ações também deve ser colocada no campo do debate sério, que envolve a crítica competente do desenvolvimento capitalista recente e do papel do conhecimento científico nesses processos. Seria arrogância presumir que cientistas só servem para fazer cálculos e medidas, e não têm papel relevante na interpretação e no direcionamento da humanidade. Ninguém mais que sérios pesquisadores científicos identificaram o problema da camada de ozônio e o aquecimento global. É ridículo defender ciência básica para o povo sem reconhecer que o avanço da ciência e do conhecimento tecnológico depende de forma crucial da articulação entre centros de pesquisa, universidades e empresas. Portanto, a transição para um mundo sustentável passa por incorporar, de forma crítica, mas inteligente, os avanços da ciência. O melhoramento genético vegetal, alvo hoje de ações incoerentes, certamente é um deles. Sementes melhoradas são cada vez mais vitais para o futuro da humanidade em qualquer cenário. O livro Luta pela Terra, Reforma Agrária e Gestão de Conflitos no Brasil, organizado por Antonio Marcio Buainain, a ser lançado pela Editora da Unicamp, mostra que, quando o conflito por terra visa efetivamente a criação de assentamentos rurais, com o objetivo último de gerar produção, emprego e renda, a solução é encontrada por meio de um adequado processo de gestão. O planejamento da ação fundiária atenua e até suprime conflitos, ensinam vários especialistas no assunto - mesmo aqueles que consideram o conflito como a força motora de um desenvolvimento rural com eqüidade. Fica claro que é possível articular reivindicação e mudança com planejamento e justiça e que isto corresponde à aspiração da maioria dos beneficiários desses processos, participantes de movimentos sociais. Assim, cabe invocar o tão falado princípio da precaução: não é seguro que a humanidade rejeite o conhecimento científico, em face de evidências de que a ação humana leva a uma trajetória insustentável dos atuais sistemas econômicos. Quanto mais sob o argumento de que este conhecimento estaria eternamente marcado pela busca do lucro e não pelo interesse social. Esta saída ignora a existência de outras vias, como a abertura de um amplo e contínuo debate sobre a reorganização da sociedade e de suas bases, sem nunca desconsiderar os fundamentos racionais e sistemáticos desta procura pelo novo. Nota do Editor: José Maria da Silveira é professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB).
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