Uma das coisas que mais me chamam a atenção quando circulo pelas ruas de Ilhabela é ver nesta cidade a reprodução de alguns modelos que já foram testados e reprovados em outros lugares. Além disso, chama a atenção também o fato de que nesses casos Ilhabela, graças às suas características geográficas e humanas, tem todas as condições para desenvolver modelos próprios e bem-sucedidos. Um bom exemplo disso é o carro. O carro funciona bem em lugares em que não é tomado como gênero de primeira necessidade, mas como uma das diversas possibilidades de transporte. No Japão crianças de 7 ou 8 anos vão à escola de bicicleta e senhoras de 80 vão às compras; disseram-me que em muitas cidades européias também é assim. Em São Paulo, onde a posse e o uso do carro são irracionais, os congestionamentos são permanentes e quase ninguém pensa a sério em ampliar o sistema de ciclovias e melhorar as calçadas. Anda-se e pedala-se pouco porque não há ciclovias e boas calçadas ou não há ciclovias e boas calçadas porque se anda e se pedala pouco? Apesar do mau exemplo paulistano, em Ilhabela o sistema viário é todo ele pensado em função do carro, um problema cuja solução se resume a taxas e multas – o que sugere que o que falta para o trânsito funcionar bem é dinheiro. Eu me surpreendo com essas coisas porque em Ilhabela algumas soluções estão dadas. Pedalo com freqüência e recentemente comecei também a caminhar para percorrer as distâncias do dia-a-dia. A pé notei o mesmo que eu noto quando pedalo: entre a Vila e a Barra Velha a topografia é suave e as distâncias são pequenas. Pedalando moderadamente gasta-se de 30 a 35 minutos entre a balsa e a Vila, praticamente o mesmo que se gasta num ônibus (mas no ônibus você gasta dinheiro também). A pé, em 40 minutos, pode-se ir do Perequê até a Vila. Além de tudo, o lugar é muito mais bonito quando você não está dentro de um carro. É claro que todo motorista tem o direito de usar seu carro como bem quiser. Isto não exclui o seu direito de ter à disposição alternativas de transporte, assim como não exclui o dever do poder público diversificar o sistema viário da cidade. O Código de Trânsito é claro: calçadas e ciclovias são vias públicas. A ciclovia ilhabelense precisa ser concluída, iluminada e sinalizada. As calçadas precisam ser tratadas como vias de circulação. Calçadas e ciclovias podem, em Ilhabela, ter mais importância do que ruas e avenidas. Com boas calçadas e ciclovias mais moradores poderão se habituar a sair para trabalhar de bicicleta ou a pé, como alguns já fazem. Com boas calçadas e ciclovias mais turistas serão estimulados a deixar o carro em casa nos feriados e finais-de-semana. Além disso, a presença constante de pedestres e ciclistas na cidade estimula o uso de outros lugares além da Vila (centro turístico) e Perequê (centro comercial), aliviando o trânsito nesses bairros. Ilhabela tem tudo para ser um lugar em que todos os dias serão “Dia Sem Carro”. Mais importante do que isso, quando as pessoas circulam mais a pé e de bicicleta do que de carro, a paisagem é vista de outra forma. Ela é apreciada. Atrás do pára-brisa o máximo que se consegue é ver tudo à pressa – e eu não sei em quê isso pode ser bom para Ilhabela. O turista que Ilhabela quer receber é precisamente aquele que está disposto a caminhar e a pedalar, não aquele que busca vias expressas, asfalto liso e boletins de congestionamento.
Nota do Editor: Christian Rocha vive em Ilhabela, é arquiteto por formação, aikidoka por paixão e escritor por vocação. Seu "saite" é o Christian Rocha.
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