Island Escape: o povo de Ubatuba a ver navio(s)
Marcelo Mungioli |  |
O Island Escape passou por Ubatuba na quarta-feira passada, nove de janeiro de 2008. Se tivesse aportado cinco dias antes, o foguetório preparado pela Prefeitura poderia ser confundido como uma comemoração aos dois anos de arrancada da amendoeira, derrubada para a anunciada construção da cobertura da Feirinha Ripe (ou de Afins e Afins), obra que acabou não saindo do papel ao ser questionada juridicamente. Se puxarmos pela memória ou visitarmos as páginas antigas dos blogs e sites, veremos que a arrancada da amendoeira gerou no prefeito, e em seus assessores, o mesmo frenesi, um êxtase parecido com o que vimos com a chegada do navio à Baía de Ubatuba (e amparados no mesmo discurso: o progresso está chegando!!!) Ônibus de graça para quem desembarcava do navio, seriam pagos pela Prefeitura de Ubatuba? Para a população que acorreu ao atracadouro do Iate Clube, pela beleza imponente do transatlântico atracado e pela maciça mídia montada para divulgar o evento, chamava a atenção a grande quantidade de ônibus e micro ônibus executivos, além de vans, para o transporte gratuito de quem desembarcava do navio. A pergunta era sempre a mesma: toda essa estrutura estaria sendo paga pela Prefeitura? Como ninguém no local informava sobre quem teria alugado tantos ônibus e uma das regras fundamentais da economia é que “tudo tem um preço”, uma das suposições mais comentadas era esta: que a Prefeitura poderia ter alugado todos os referidos veículos, como forma de promover a visitação aos pontos turísticos da cidade. O secretário Municipal de Turismo. Felipe de Azevedo, confirmou o aluguel, pela Prefeitura, de três micro-ônibus e de cinco ônibus, para percorrer dois trajetos: praia Grande e Fundart (Fundação de Arte e Cultura de Ubatuba). Felipe disse que os proprietários das vans que prestaram serviço à Prefeitura não tiveram qualquer remuneração, pois, segundo ele, “eles concordaram com um contrato de risco e estão apostando no sucesso desta empreitada”. E mais: havia uma empresa atuando no receptivo, com caminhões no estilo militar, mas a demanda, segundo o secretário, foi ínfima. Felipe explicou que a Prefeitura montou um “show para encantar os visitantes” e que o objetivo não era ter lucro e sim, firmar a cidade como um destino marítimo para os próximos anos. Perguntado sobre a venda de pacotes e passeios pelas operadoras, Felipe revelou que o resultado foi “frustrante”, no tocante às vendas, mas que o objetivo do receptivo era o de ser uma vitrine, mostrando o que Ubatuba tem de melhor. O treinamento dos taxistas foi por “água abaixo”! O transporte gratuito de passageiros para passeios pela orla, ou para o centro da cidade, frustrou os taxistas que - a pedido do Prefeito - se estruturaram para fazer este trabalho receptivo. Ficaram, literalmente, a ver navios! Mas para o secretário Municipal de Turismo, a coisa não foi bem assim. “Houve uma reunião com os taxistas, feita pelo próprio Prefeito, onde foi explicado a eles que a expectativa de lucro, no primeiro momento, era zero”. E acrescentou: “Também houve outro problema, os taxistas chegaram depois do horário convencionado, o que dificultou a organização”. Receptivo é função da Prefeitura? Confirmada a contratação, por parte da Prefeitura, de ônibus de turismo para o transporte gratuito dos passageiros de um navio, atuando como receptivo turístico, a pergunta é: seria esta uma atribuição o Poder Público? O turismo receptivo não deveria ser feito pela iniciativa privada, em nome da livre concorrência e da impessoalidade? E o povo de Ubatuba, que paga um dos IPTU’s mais caros do Brasil, mereceria que se desperdiçasse dinheiro público desta maneira? Como funciona uma escala de um mini-cruzeiro Quando a coisa é a sério, antes de uma escala previamente planejada, o desembarque dos passageiros e os passeios programados são assim convencionados: um dia antes, os passageiros são informados, pelo “diário de bordo”, dos programas que podem fazer em terra e quais os pacotes que são oferecidos pela operadora do navio. Alguns compram o pacote, mas a grande maioria prefere ficar a bordo, desfrutando dos confortos do navio. E há os que desembarcam por conta própria, que sabem que arcarão com todas as despesas, inclusive o transporte (táxi, ônibus, carro alugado etc.). Segundo o secretário de Turismo, a escala em Ubatuba só foi anunciada às oito horas da noite do dia anterior, confirmando a “cortesia” da empresa, mas inviabilizando qualquer venda antecipada de pacotes por parte da operadora. Falando em mordomia... É voz corrente que, quando os passageiros do navio souberam que o transporte era gratuito e que os que estavam desembarcando desfilavam em tapete vermelho e eram até entrevistados pela rádio local, muitos desceram só pela curiosidade de saber que “papagaiada” era aquela! (Cada desembarque, um “flash”!, parafraseando uma personagem interpretada pela atriz Mara Manzano, na novela “O Clone”.) O secretário de Turismo também confirmou a distribuição gratuita de 500 camisetas alusivas ao evento, em parceria com a ACIU, aos passageiros que desembarcaram do Island Escape. Sem ganho real para o comércio local E mais, mesmo que Ubatuba entre na rota dos cruzeiros, a maioria deles aportará na Baía de Ubatuba durante o período da temporada. Precisamos nos perguntar, qual o ganho real que o comércio de Ubatuba terá com isto? Quanto a um cálculo de gastos de um passageiro em terra, de 50 dólares, apresentado na mala direta “ACIU promoveu encontro para a discussão sobre a chegada de cruzeiros marítimos e fiscalização em Ubatuba”, este não apresenta qualquer embasamento técnico ou científico para sua constatação, pois não há como saber se corresponde à realidade do atual turismo marítimo brasileiro, principalmente em relação aos mini-cruzeiros que atracarão em Ubatuba. Estes turistas embarcados, deverão vir à terra apenas algumas horas! O que se sabe é que pagaram caro, na maioria das vezes, parcelado, e estão nos navios, na maioria das vezes, pelo sistema all inclusive (tudo incluído)! Sem as mordomias oferecidas neste desembarque, só virão à terra para fazer um passeio ou comprar um souvenir do local (na maioria das vezes, apenas para fazer uma foto em terra). Tudo é política! Todo este espetáculo também foi para repercutir a vitória do prefeito - e do secretário de Turismo - em uma “queda de braço” com o editor do jornal “A Semana”, Josias Sabóia, que em uma edição passada, afirmara que não havia nenhuma programação de passagem de um navio por Ubatuba. E nem podia haver! Na verdade, como o próprio secretário confirmou, a escala foi oferecida como “brinde” aos passageiros, e, tecnicamente, um reconhecimento de área por parte da companhia operadora. Mas foi uma vitória política muito comemorada. Entre os que vieram para a festa, um aliado de peso: o prefeito de Ilhabela, Manoel Marcos de Jesus Ferreira (PTB), entre outros políticos e assessores daquela cidade. Mais uma página virada Outros navios de cruzeiro virão, com milhares de turistas que pagaram seus pacotes em parcelas, oriundos de todos os rincões do país, que passarão uma ou duas horas em terra. O que isto modifica ou representa de acréscimo para a economia local? Nada ou quase nada. Para Felipe de Azevedo, a Prefeitura está abrindo mais um leque de opções, com a cristalização de Ubatuba como destino turístico. Ele informou que foi realizada, na semana passada, uma reunião com a Costa Cruzeiro, visando trazer o Costa Mágica, até a Baía de Ubatuba. Para ele, tudo foi investimento, para criar um “encantamento no cliente”, que vai gerar propaganda institucional e status para a cidade. Em resumo: você pagou pelos fogos, pelos “flashs”, pela “presepada” política e, também pelo transporte gratuito dos turistas que desembarcaram. Ah, ia esquecendo: eles (os passageiros que desembarcaram e passearam de graça) ficaram satisfeitos! E você, se estivesse no lugar deles, não ficaria? Nota do Editor: Marcelo Mungioli é advogado e jornalista.
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