A fundação do Brasil
No início do século XIX, o continente europeu foi sacudido por uma intensa onda de conflitos militares. Napoleão, que naquela época era o imperador da França, organizou um exército muito poderoso e invadiu diversos países, somando muitas vitórias. Para derrotar os ingleses, imaginou uma estratégia: obrigar as outras nações a fecharem os portos à Inglaterra. Decretou assim, o Bloqueio Continental. A estratégia era simples: como a Inglaterra é uma ilha, ficaria sem a possibilidade de negociar com outros países, visto que seu principal comércio era realizado pelo oceano. Ocorre que Portugal e Inglaterra eram velhos aliados e faziam muitos negócios entre si. Por isso, os portugueses decidiram não obedecer às ordens do Imperador francês. Napoleão ficou furioso, preparou um exército de 30.000 homens comandados pelo General Junot e ordenou-lhe que conquistasse a Espanha e, depois, Portugal. Em dezembro de 1807 então, após muita discussão, a Família Real portuguesa é transferida para o Brasil com o auxílio de navios ingleses, pois havia risco para os membros da elite portuguesa, caso Napoleão invadisse o reino luso com suas tropas. A Corte, assim a salvo, do outro lado do oceano, na sua colônia mais poderosa, que era o Brasil, asseguraria sua independência. Não existem dados precisos sobre a quantidade de pessoas que teriam sido deslocadas para o Brasil. Alguns historiadores falam em 15 mil pessoas. Outros falam em 6 mil. Como sempre ocorre em situações de fuga, os membros da Família Real não quiseram deixar para trás nenhum de seus pertences. Foram encaixotados livros, brinquedos, objetos de uso pessoal. Animais foram engaiolados ou transportados em caixotes. O que não pôde ser embarcado foi deixado para trás. O embarque ocorreu em novembro de 1807 em um clima pessimista que tomou conta dos que permaneceram em Portugal. O que ocorreria com a população caso os franceses chegassem e ocupassem as cidades? A viagem foi adiada pelo menos uma vez graças ao mau tempo. Mas, no dia 29 de novembro, o céu se abriu no horizonte e permitiu uma boa viagem aos tripulantes e à família real. A viagem não foi propriamente um passeio agradável. Como os preparativos tinham sido feitos às pressas e o embarque feito à última hora, faltavam mantimentos e muitos passageiros não encontraram os seus caixotes a bordo. Na melhor das hipóteses, talvez seguissem noutro navio, na pior, talvez tivessem ficado esquecidos no cais onde não tardariam a ser pilhados. O destino era o Rio de Janeiro, mas muitos navios, como o de Dom João, chegaram inicialmente em Salvador, onde o Príncipe deve ter se impressionado com a enorme diversidade étnica existente por lá. Com a chegada de mais de 15.000 pessoas de um dia para o outro, no Rio de Janeiro, isso representava uma espécie de avalanche humana. Mas o Conde de Arcos, vice-rei do Brasil, não se atrapalhava com facilidade. Começou por despejar o Palácio dos vice-reis e mandou limpar tudo muito bem para poder funcionar como residência real. Outras casas elegantes da cidade foram desapropriadas e a Família Real pôs-se a ocupá-las. Era comum, na época, na porta das casas carimbarem o selo P.R., que significava "Propriedade Real". Os cariocas, bem-humorados como são, teriam satirizado o símbolo e o identificado como "Ponha-se na Rua". Com a chegada de D. João VI, o Rio de Janeiro entrou em ebulição. Várias transformações marcaram o cenário político-social da cidade: o Decreto da Abertura dos Portos às Nações Amigas transformou o porto da capital da colônia num importante centro financeiro-comercial; o crescimento populacional foi outro fator marcante, devido ao grande número de nobres e funcionários da corte portuguesa que formavam a comitiva do rei; a criação do Banco do Brasil e de novas instituições administrativas, trazendo para o Rio de Janeiro os ares da metrópole. Os hábitos culturais se modificaram, pois fazia-se necessário satisfazer a demanda de uma aristocracia que valorizava a cultura européia. D. João VI encontrou uma cidade pobre, sem planejamento urbano e saneamento básico, com ruas estreitas, sujas e apinhadas de escravos, ambulantes e "tigres", como eram conhecidos os escravos responsáveis pelo despejo de dejetos na baía da Guanabara. O Paço Imperial, residência oficial do Vice-Rei, possuía uma arquitetura pobre, sem adornos, ainda no estilo colonial, sem mobiliário adequado para receber um monarca e, sobretudo, muito pequeno para abrigar a comitiva real. Outras residências serviram de abrigo para a corte: o Convento das Carmelitas, onde ficou D. Maria I; a Casa do Trem (atual Museu Histórico Nacional); o prédio da Cadeia, vizinho do Paço, que virou residência de aristocratas. Durante os treze anos de sua estada no Brasil, o regente português criou várias instituições culturais, como a Biblioteca Nacional, o Jardim Botânico, o Real Gabinete Português de Leitura, o Teatro São João (atual Teatro João Caetano), a Gazeta do Rio de Janeiro, a Imprensa Régia, o Museu Nacional, a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. Em 1820, teve início em Portugal a Revolução do Porto. Os revolucionários queriam o retorno do Rei, a recolonização do Brasil e uma constituição para Portugal. Pressionado, Dom João, agora rei de Portugal, Brasil e Algarves, retornou para a Europa, deixando aqui seu filho primogênito, Dom Pedro, como Príncipe Regente. Este, em meio a um fogo cruzado de interesses entre a elite brasileira e as Cortes portuguesas decide declarar a independência do Brasil em 7 de setembro de 1822. É interessante observar que se a Família Real não tivesse vindo ao Brasil nas circunstâncias em que veio, provavelmente nossa independência teria ocorrido mais tardiamente e numa outra situação. Por isso é que podemos dizer que a vinda da Família Real ao nosso país representou, de fato, a fundação do Brasil. Nota do Editor: Ricardo Barros é Professor de História, do Colégio Paulista (COPI), mestrando em Educação na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, graduado pela Universidade de São Paulo em História, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, e em Pedagogia na Faculdade de Educação.
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