Justiça discrimina presos estrangeiros no Brasil, revela pesquisa
Agência USP de Notícias - Com o objetivo de verificar se os presos estrangeiros no Brasil sofrem discriminação institucional e apontar formas de solução ou atenuação dos problemas enfrentados por essa população carcerária, o professor de Direito e procurador regional da República, Artur de Brito Gueiros Souza, realizou uma pesquisa em que colheu dados de presos estrangeiros de todo o País, traçando um perfil deste grupo, e também analisou documentos jurídicos (petições, sentenças e outros) relacionados a processos envolvendo estes detentos. De acordo com o professor, existe discriminação por parte do sistema judiciário, que ainda se apóia em crenças não comprovadas para indeferir pedidos que constituem direitos de todos os presos. O trabalho resultou na tese de doutorado “Presos estrangeiros no Brasil: aspectos jurídicos e criminológicos”, defendida em 2006 na Faculdade de Direito (FD) da USP e publicada pela Editora Lumen Juris em novembro de 2007. Abordagem criminológica A parte empírica do estudo revelou dados inéditos até agora sobre a população carcerária estrangeira no Brasil. Os dados coletados no início da pesquisa incluíram variáveis como país de origem, crime cometido, pena, idade, nível de instrução e sexo. Foi apurado que a maioria dos presos são de países da América Latina (principalmente Peru, Bolívia, Paraguai), seguida por Europa e África. "O senso comum era de que a maior parte seriam africanos, fato desmentido pelo levantamento", conta Souza. Quanto ao motivo da prisão, foi constatado que 72% deles são processados por tráfico de drogas, 12% por crimes contra o patrimônio, e o restante por outras acusações. A média de idade é maior entre os estrangeiros (de 25 a 34 anos) do que entre os brasileiros (menos de 25 anos). Assim como no caso dos presos brasileiros, a maioria dos detentos estrangeiros é do sexo masculino. Mas a diferença entre a porcentagem dos sexos é menor no caso dos estrangeiros: 4% da população carcerária brasileira é constituída por mulheres e 96% por homens, enquanto que 18% dos presos de outra nacionalidade no País são do sexo feminino, e 82% são do sexo masculino. "Acredito que isso esteja relacionado à predominância do tráfico de entorpecentes como motivo de prisão entre os estrangeiros; o crime organizado assedia as mulheres, pois estas são consideradas menos visadas pela fiscalização, sendo os homens alvos mais comuns da polícia.", explica o estudioso. O alto número de processos por tráfico se junta à idade mais avançada para dar indícios das causas do envolvimento destes estrangeiros com o crime. Souza acredita que boa parte destas pessoas procura o caminho do crime após ter fracassado em atividades lícitas em seus países de origem, aceitando então o convite para atuar no tráfico. As inferências citadas foram feitas a partir da parte qualitativa da pesquisa. Foi realizada uma entrevista com um grupo de 100 detentos estrangeiros no Rio de Janeiro e em São Paulo - estado que tem a maior população carcerária do País e concentra mais da metade dos estrangeiros presos no Brasil. Nesta etapa foram feitas perguntas mais específicas, como por exemplo, se o detento tem contato com a família. Foi constatado um grande grau de isolamento, sendo que grande parte não consegue nem contato telefônico com seus familiares, tendo que se comunicar por carta. Análise jurídica Numa outra fase da pesquisa foi feita a chamada análise jurídica, quando o pesquisador analisou pedidos e decisões judiciais dos processos envolvendo presos estrangeiros, constatando que de fato há discriminação. "A partir destes documentos, pude notar que eles estão em situação pior do que a dos brasileiros, tendo indeferidos seus pedidos que deveriam constituir direitos de todo preso, como a progressão do regime de pena para semi-aberto e o livramento condicional", diz Souza. Estas pessoas chegam a ficar presas mais tempo do que deveriam "em razão de um pensamento errôneo dos operadores jurídicos de que, como estão em situação irregular no Brasil, e não têm permissão para trabalhar, fugirão", conclui o pesquisador. Foi inclusive constatado que a maior parte destes detentos trabalha durante o cumprimento da sentença e, mesmo assim, não recebe os direitos cabíveis, como é o caso da redução da pena. Todos estes erros e até injustiças são cometidos em função de presunções jurídicas que não estão amparadas em dados da realidade. Assim, o resultado da pesquisa pode ajudar a quebrar alguns mitos sobre o perfil e as condições dos presos estrangeiros no Brasil, buscando também suprir a carência desta metodologia conjunta (levantamento de dados empíricos e análise jurídica) no âmbito da produção acadêmica em Direito. Mais informações: Artur de Brito Gueiros Souza (0**21) 3266-9310, 9311 ou 9312, e-mail: arturgueiros@uol.com.br.
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