Um veículo ou um objeto de uso pessoal?
A cidade está tomada pelas bicicletas. As magrelas estão por toda parte. Estimuladas pelo nosso precário sistema de transporte coletivo e ruas planas é natural que isso acontecesse. Seu uso é muito bom para a saúde, não consomem combustível, são de fácil aquisição, não provocam ruídos, não poluem o ar, mas... Alguma coisa muito incômoda está acontecendo na cidade a partir do crescimento espantoso do número de bicicletas, rodando ou paradas, a serviço da população. A excelente implantação das ciclofaixas pela atual administração já está consolidada e perfeitamente absorvida pelos motoristas e deveria, então, ser trabalhada para ser a matriz de um novo comportamento de tolerância e solidariedade entre os usuários das vias públicas. Mas lamentavelmente não foi isso o que aconteceu. Pior, premiados com a exclusividade de um caminho só seu, cuidadosa e pacientemente cruzado pela maior parte dos motoristas, os ciclistas tornaram-se arrogantes em todas as vias por onde passam, na mão ou na contra-mão. Circulam livremente nas ruas onde se situam as ciclofaixas, dentro ou fora delas, na mão ou na contra-mão. Arrogância gera arrogância, dessa forma, ciclistas e motoristas vivem um clima de desaforos recíprocos, exemplo de convivência urbana nada construtiva para as novas gerações, isto é, como pedestres somos todos iguais e possivelmente até amigos, mas quando nos reencontramos, um no volante e o outro no selim, nos comportamos como umas bestas! Quando essas coisas acontecem no fluxo do trânsito, a bicicleta é um veículo. Entretanto, assim que chega ao seu destino o ciclista desmonta e sua bicicleta se transforma num objeto de uso pessoal, igual a um guarda-chuva ou outro trambolho que às vezes somos obrigados a carregar. Largam de qualquer maneira em qualquer lugar. Na calçada, em frente a lojas, bancos, farmácias, sempre na porta de entrada, como o tal guarda-chuva. Os mais cautelosos as acorrentam nas árvores, postes ou nas pessimamente posicionadas argolas de ferro disseminadas por todo o calçadão central, guias e demais pontos centrais, sem se preocupar se bloquearam a calçada, as entradas ou o que for. Caetano Veloso disse em uma de suas músicas que a praça é do povo, aqui não, é das bicicletas. O que fazer? Como fazer? Sugiro que inicialmente as autoridades administrativas do município definam se a bicicleta é veículo e deva ser tratada pelas leis do trânsito, circulando ou estacionada, ou se é objeto de uso pessoal e deva ser tratada conforme a educação de seu proprietário. Para responder a uma questão como essa e levando-se em conta nossa eficiente e conclusiva prática local, acredito que em ano eleitoral essa definição seria obtida após vários seminários nos quais seriam ouvidas ONGs, Associações de Bairro, Promotoria, DEPRN, IPHAM, CONDEPHAAT, Secretarias Municipais, vereadores e todos quantos quisessem trafegar na passarela da fama, pois, afinal, o resultado de tal definição afeta 90 mil habitantes ou, mais explicitamente, cerca de 35 mil eleitores. Como passo seguinte, caso a bicicleta fosse considerada um veículo de transporte que circule por espaços públicos, o procedimento adotado em todo mundo poderia também ser adotado aqui. Ou seja, uma vez determinadas tecnicamente as metas a serem atingidas, os sistemas de guarda e estacionamento, sistemas de comunicação visual bem como os métodos de implantação, o programa seria aplicado rigorosamente (e não politicamente), apoiado em três pilares: Conscientização: amplo e permanente trabalho junto as escolas, associações de bairro, comércio etc.; Fiscalização: ação permanente, contínua, ano após ano indefinidamente, a fim de criar hábitos e prevenir distorções e prejuízos na implantação do programa; Penalizações: se não houver multas e recolhimento sistemático do uso irregular do veículo de duas rodas, pode-se esquecer o programa. Por outro lado, caso a bicicleta seja considerada objeto de uso pessoal porque é utilizada por pessoas simples, de baixa renda, trabalhadores que ajudam a construção do município e não podem ficar expostos a regras incômodas que geram multas, e outras divagações eleitorais, então vamu qui vamu, qui do jeito qui tá, pió vai ficá. Nota do Editor: O arquiteto Renato Nunes atua intensamente nas áreas de arquitetura e planejamento urbano, principalmente no Litoral Norte Paulista.
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