O financiamento da saúde ainda não tomou rumo definitivo, o que é muito preocupante. A aprovação da emenda constitucional nº 29, em 2000, pelo Congresso Nacional, não encerrou a questão. Equivocadamente, vários governos usaram de distintos expedientes para desviar recursos da saúde para outras áreas. Há casos, por exemplo, de governos estaduais que compraram viaturas policiais com verbas da saúde justificando o investimento como segurança para hospitais e postos de atendimento. É o caso, por exemplo, do governo do Estado de Minas Gerais ao adquirir 800 viaturas policiais com verbas orçamentárias da saúde. A emenda constitucional nº 29 prevê dotação orçamentária de 10% do governo federal, 12% dos governos estaduais e 15% das prefeituras para a saúde. O problema é que 18 estados e 40% dos municípios não cumpriram a lei, deixando amplas margens de especulações para o financiamento adequado da saúde. A aprovação da regulamentação da referida emenda na Câmara dos Deputados atrelava, para a saúde, parte da verba que seria arrecadada através da CPMF. A emenda ainda precisava ser aprovada pelo Senado Federal, e a prorrogação da mesma não foi ali aprovada. Com o fim da CPMF a situação ficou ainda pior. O Senado, especialmente, e o Congresso Nacional terão que discutir essa regulamentação à luz da realidade criada no Senado Federal. A saúde, como um direito do cidadão e um dever do estado, deve ter previsibilidade orçamentária específica de verbas para garantir assistência e financiamento ágil, dinâmico, de inclusão, hierarquizado, alcançando todo o Brasil, administrativamente comprometido, socialmente justo, combate efetivo de desvios, desvirtuamentos e corrupções e com garantia de eficiente controle social. Insisto que a única maneira de garantir o atendimento à saúde é a destinação orçamentária definida, tanto da União, como dos Estados e Municípios, assegurando sua aplicação em ações concretas de saúde. É necessário, também, garantir a capacitação dos profissionais da saúde em todo o país para oferecer um serviço de qualidade à população. O problema é que não existe uma política de estado para a saúde. Tudo é na base da improvisação. Não há definição de procedimentos, apenas ajustes pontuais sem comprometimentos, falta de agilidade e deficiência no sistema, gerando situação caótica no atendimento em geral. Tudo isso aliado à falta de financiamento, falta de planejamento, falta de execução de programas eficientes e políticas que não respondem as exigências da população. Também se observa que sem definições por parte dos legisladores brasileiros e dos governos nos três níveis, a situação tende a se agravar com ameaças concretas de desassistência em todos os setores, incluindo atendimento eletivo, primário e o comprometimento de políticas públicas de prevenção, programas específicos, atendimentos de alta complexidade, distribuição de medicamentos de alto custo e eficiência em atendimentos especiais como transplantes de órgãos, por exemplo. De acordo com dados divulgados pela Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, a ABTO, 50% dos órgãos para transplantes são desperdiçados no Brasil por falta de notificação de morte encefálica, despreparo das equipes que abordam as famílias e infra-estrutura inadequada. Ainda, segundo a mesma instituição, há hoje 70 mil pessoas à espera de órgão, sendo que só a metade das 10 mil mortes encefálicas ao ano é notificada. Esse quadro, que mostra a falta de comprometimento social na gestão da saúde no país, é muito preocupante. A falta de conscientização de políticos, governantes e gestores públicos e privados em relação ao assunto coloca o Brasil numa incômoda e conflitante posição. O país tem o SUS, o maior plano de saúde do mundo, mas não o considera com a seriedade que o próprio plano e seus usuários merecem. O problema não é só de recursos. É preciso adotar uma gestão inteligente. Está mais do que provado que investir em prevenção é muito mais barato do que investir em tratamentos, cirurgias e hospitalizações. Mas nem mesmo as tradicionais campanhas de prevenção de doenças são executadas a contento. A recente greve dos médicos em estados do Nordeste indica que um dos graves problemas da saúde é a falta de investimentos na prevenção de doenças. O modelo de atenção à saúde, que não privilegia a atenção primária e a prevenção, faz com que o paciente procure serviços especializados oferecidos, em grande parte, por hospitais particulares conveniados ao SUS, criando uma dependência de exames, medicamentos e procedimentos de alta e media complexidades, além de consultas, cirurgias e transplantes. Tudo isso aumenta de forma expressiva a conta da saúde pública. Isso sem contar os prejuízos causados pela falta do doente ao trabalho e a escola, por exemplo. A Agência Brasil, vinculada à Radiobrás, do governo federal, divulgou declarações do presidente do Conselho Nacional de Saúde, CNS, o farmacêutico Francisco Batista Junior, em que ele afirma: "ter saúde não é tratar doença". Durante a abertura da Conferência Estadual de Saúde de Alagoas, o presidente do CNS disse que nos últimos 12 meses, dos cerca de 60% dos brasileiros que procuraram atendimento médico, 43% estavam com algum problema crônico. No mesmo período, 28% recorreram a ações preventivas na área, como vacinas, por exemplo. Um outro dado que precisa ser considerado: o brasileiro paga 34,76% de impostos. É uma carga tributária alta. A Índia e a China, que crescem a taxas que variam entre 8 e 10% ao ano, têm cargas tributárias entre 16 e 17%. O Brasil não precisa aumentar seus impostos e nem ter mais leis para garantir recursos para a saúde. É preciso cumprir as que existem e ter respeito para com os que pagam seus tributos, planejando bem a saúde em todas as suas amplitudes. Nota do Editor: Dr. Cid Carvalhaes, médico e advogado. É presidente do Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo e Secretário de Imprensa e Divulgação da Federação Nacional dos Médicos.
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