Num meio-dia de fim de outono Tive um sonho como uma fotografia. Vi Fernando Pessoa voltar à Terra. Veio pela ladeira de um morro, Tornado desta vez moleque, Correndo e rolando na grama E arrancando flores só por safadeza E rindo de tudo a sua volta. Tinha fugido do céu. Era nosso demais para fingir-se De maior poeta português. No céu tudo era falso e monótono, Sem vida, nem flores, nem mulatas. No céu tinha que ser sempre sério E de vez em quando dar pulos de raiva Quando algum crítico literário Resolvia analisar seus poemas E defender alguma tese qualquer Para poder estudar na Europa. Nem sequer deixavam ser ele mesmo Como os outros poetas. Diziam que ele era três heterônimos: Ricardo Reis, um poeta lírico e pagão; Um poeta da natureza chamado Alberto Caeiro; E Álvaro de Campos, poeta urbano e moderno. E queriam que ele, que era filho de pai e mãe Fosse tanta gente numa personalidade só E falasse de tudo com coerência. Um dia em que Deus estava dormindo E os imortais tomavam seu chá das cinco Ele foi à caixa de milagres e roubou três. Com o primeiro fez os críticos se esquecerem dele; O segundo transformou-o num moleque do Brasil - Já que era filho de Deus brasileiro - E o terceiro fez com que, em vez de 120 anos, Voltasse a ter dez anos de idade. Depois tomou um raio de sol E fugiu de volta à Terra. Hoje vive em minha cidade comigo. É uma criança alegre e natural. Limpa o nariz na manga da camisa, Joga futebol e empina papagaio, Fala palavrões para as meninas, Rouba frutas na feira, Atiça e corre dos cães chorando E porque sabe que elas não gostam, Mas todo mundo acha graça, Corre atrás das mulheres Que descem as ladeiras Com latas d’água na cabeça E levanta-lhes as saias. A mim ele tem ensinado muito. Ensina-me a gostar e olhar para as coisas. Aponta-me toda a simplicidade da vida E olha com olhar brilhante para a natureza. Essa é a minha história de Fernando Pessoa. Por que razão não há de ser mais verdadeira Que tudo que os livros explicam E tudo que os estudiosos ensinam? (Fernando Pessoa completaria 120 anos, no dia 13 de junho de 2008. Este poema é uma paródia do poema VIII de “O Guardador de Rebanhos” de seu heterônimo Alberto Caeiro). Nota do Editor: Juarez José Viaro é jornalista e escritor.
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