Poetas que escrevem também romances Poetas que inventaram coisas e depois sumiram Poetas que marcaram sua época e são esquecidos Poetas que voltam e ninguém sabe do que se trata Poetas porque assim nasceram e que se retiraram porque se achavam muito pouco diante de tudo, mas que descobriram que eram tudo diante do muito pouco que veio depois e que jamais deixaram de ficar vivos que partiram para a áfrica do próprio exílio que traficaram as armas do coração no pleno deserto que até ficam meio sem jeito de levantarem a mão na praça novamente cheia para dizer estamos aqui, continuamos aqui não porque tenhamos alguma importância não porque merecemos figurar em antologias não porque alguém nos deve algo mas porque todos procuram em outro lugar o que sempre esteve em nós porque os outros esperam rever o que nunca deixou de existir aqui dentro, no peito enfunado de velas Poetas que não se retiram porque chegaram uma única vez e isso foi o bastante e viram como aqueles que estavam fixos no lugar de sempre cresceram e fizeram sombra sem nada dar em troca porque nunca foram, enquanto os poetas de verdade os que saem de mãos vazias e coração partido são tocados pela graça e disso não abrem mão Porque partimos de tudo, mas jamais do que somos de fato um caroço fazendo feio dentro da fruta doce a semente enorme atrapalhando a mordida Tente falar com um caroço na boca Somos nós, os que são cuspidos e que caem na terra inventando a floresta no meio da pedra Aqui dentro, aqui no peito enfunado de velas levantamos âncora. Estamos prontos sempre estivemos prontos Poetas que viram romances que inventam coisas que os outros copiam e que viram cantos úmidos na cidade seca sopro de chuva com cheiro de estrada troco de sonho, adubo de concreto, traça que devora o couchê impuro larva no túmulo de mármore Estamos prontos, venham cuspir no nosso bronze somos praça, que caia o dilúvio Temos palavras na caixa jogada fora pela pandora, múmia que assola o tempo Há um beija-flor parado no ar pesado de chacais Pouse em nós, geração jogada no lixo pouse no que esqueceram porque o tempo repete-se como um verso moribundo e a única coisa que fica são os poetas que abriram mão da covardia Nota do Editor: Nei Duclós é autor de três livros de poesia: "Outubro" (1975), "No meio da rua" (1979) e "No mar, Veremos" (2001); de um romance: "Universo Baldio" (2004); e de um livro de conto e crônicas: "O Refúgio do Príncipe – Histórias Sopradas pelo Vento" (2006). Jornalista desde 1970 e formado em História.
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