A palavra crime imediatamente remete para casos violentos, como homicídio, roubo, latrocínio, estupro, extorsão mediante seqüestro, dentre outros. Em um segundo momento que as fraudes e os delitos não-violentos são lembrados. Essa visão acaba por fazer com que as pessoas se sintam distantes do “mundo do crime” quando, na verdade, ele está muito mais próximo de todos nós do que imaginamos. Muitos dos delitos estão próximos também das atividades empresariais. Um exemplo claro disso é o crime previsto no artigo 172 do Código Penal: Duplicata Simulada. A Lei Penal define como crime “emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado.” Impõe a pena de detenção de dois a quatro anos, e multa. Também responde pelo crime quem falsifica ou adultera a escrituração do Livro de Registro de Duplicatas. O intuito é proteger o patrimônio e a boa-fé que deve reger as relações comerciais. A venda de mercadorias é comumente acompanhada pela emissão de correspondentes duplicatas, circulando como um título de crédito. Na prática, apesar de não ser exigível a sua emissão, os vendedores emitem duplicatas para operar bancariamente com o crédito, descontando-as em instituições financeiras. A duplicata é título causal, ou seja, decorre necessariamente de um negócio jurídico, pode ter origem numa venda mercantil ou em um serviço prestado. A mera irregularidade formal da fatura não se traduz em crime. O que se busca evitar é a circulação das chamadas duplicatas frias, ou seja, sem o correspondente negócio jurídico ou em desacordo com este em quantidade ou qualidade. O crime do artigo 172 do Código Penal se consuma com a simples apresentação da duplicata para desconto ou outra forma de locupletamento ilícito, sem a necessidade de eventual prejuízo do sacado ou de terceiros. Há ainda quem sustente que a emissão de duplicata fria pode ser considerada estelionato, conforme já decidiram nossos tribunais, se a intenção do agente for induzir em erro e obter vantagem ilícita em prejuízo alheio. No caso de inexistir o propósito de lesar o patrimônio do futuro tomador, mas apenas o de conseguir dinheiro, imaginado resgatar, oportunamente, o título, só pratica o crime de expedir duplicata simulada. Comumente, se observa na prática a emissão de fatura, duplicata ou nota de venda, em desconformidade com as operações realizadas, com o objetivo a fazer caixa, obtendo crédito ao colocá-la em circulação, para resgatá-las no vencimento, sem pretender causar prejuízo real a quem quer que seja. Independentemente da real intenção ao emitir duplicata fria, tanto o patrimônio quanto à segurança das relações comerciais e creditícias é abalada. Por essa razão, entendeu-se que a correspondência das duplicatas com o negócio jurídico é questão que extrapola a esfera cível e comercial, merecendo a proteção do direito criminal. Nota do Editor: Alexandre Gaiofato de Souza, Advogado, graduado pela Faculdade Integradas de Guarulhos – FIG, pós-graduado em processo civil pela PUC/SP, MBA em direito da Economia e da empresa pela FGV/Ohio University, sócio do escritório Gaiofato Advogados Associados, Membro da IV Turma do Tribunal de Ética da OAB/SP. Tatiana Michele Marazzi Laitano, Advogada, Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo; Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Mestra em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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