Pascal dizia que "Deus está nos detalhes". Em administração de empresas, isso é bastante verdade. A Embraer conquistou mercados prestando atenção a pequenos detalhes que fazem diferença para seus clientes. As companhias aéreas precisam de aviões econômicos em combustível, rápidos na sua manutenção e que ofereçam sensação de conforto para os passageiros. A Embraer respondeu com conceitos avançados de ergonomia no espaço interno, ao mesmo tempo em que seus fornecedores se integravam em busca do aperfeiçoamento constante de componentes. O segredo da boa gestão parece estar na capacidade do administrador em identificar quais são os detalhes que possuem duas características: geram grande impacto sobre a percepção de valor do cliente e podem ser aprimorados sem estourar orçamentos. Tais elementos, no entanto, são dinâmicos no tempo e no espaço. Isto significa que a análise feita hoje será diferente de um cenário desenhado tempos atrás. E o que vale para um mercado pode não valer para outro. A categoria dos carros sedans é uma das mais concorridas no mercado automobilístico brasileiro atual. Enquanto a General Motors oferece dezenas de opções do Vectra, a Toyota concentra sua oferta do Corolla em poucos modelos básicos, reduzindo com sucesso a complexidade produtiva. Quanto tempo irá durar esse paradigma de mercado? Certo é que os consumidores um dia voltarão a requerer opções que atendam a gostos e preferências específicas de pequenos grupos - e se disporão a pagar por isso. Leva o prêmio quem perceber primeiro essa mudança. A análise dos clientes corporativos também pede atenção a detalhes. Michael Porter deu uma contribuição importante ao debate sobre esse assunto em seu famoso diagrama das forças de mercado. Ao avaliar o poder de barganha dos clientes, Porter mostrou a importância das características estruturais de mercado no estabelecimento de relações de força entre fornecedores e compradores. Afirmou que o comprador será mais agressivo na negociação se sua empresa detiver grande concentração das compras desse mercado - o que os economistas chamam de monopsônio, o monopólio dos compradores - e se essas compras representarem uma parcela expressiva de seus custos. Outros fatores que contribuem para aumentar a força do comprador são a sua capacidade de trocar facilmente de fornecedor ou de mesmo passar a produzir ele próprio o insumo antes comprado, um movimento conhecido por integração backward. Outros autores e executivos notaram que, embora corretos, esses elementos de análise deveriam ser ampliados, incluindo fatores internos da empresa compradora. Mesmo corporações globais são compostas e dirigidas por pessoas, com personalidades, crenças e interesses distintos. Um comprador que conhece profundamente as características técnicas de um produto tende a valorizar seu aprimoramento, enquanto outro comprador poderá concentrar sua avaliação no preço final da solução ofertada. Ainda na análise do perfil do comprador e do núcleo de compras, algumas empresas investem pesado em mecanismos de controle de compras com a intenção de reduzir custos por meio da pressão sobre vendedores, enquanto outras apostam na construção de relacionamentos de longo prazo e parcerias estratégicas. As razões para tais diferenças são variadas: desde uma característica da indústria até a valorização dada à articulação da cadeia produtiva versus valorização individual da companhia, passando por dezenas de outras pequenas razões que interferem no comportamento humano. Há até casos, não tão raros, de empresas que possuem enorme poder de barganha sobre seus fornecedores e que simplesmente não exercem esse poder, por negligência ou por opção política de seus gestores. É a diferença entre poder de barganha "potencial" e "exercido". Independente das razões motivadoras, fato é que essas posturas interferem nas características da negociação entre vendedores e compradores. Frente a isso, o gestor deve fazer uma escolha: gerenciar essas diferenças em favor da empresa ou deixar seus vendedores decidirem individualmente qual estratégia adotar em cada caso. Em minha experiência como professor e consultor, noto que um grande número de administradores abdica da prerrogativa de gerenciar essas diferenças, causando prejuízos para o acionista. O resultado é que cada vendedor decide o que fazer baseado em sua própria análise e em seus critérios, e ainda monopoliza as informações sobre o perfil do núcleo de compras do cliente. Bem diferente é a situação de empresas que constroem suas políticas comerciais baseadas na análise conjunta do valor "do" cliente para a empresa e do valor "para" o cliente entregue pela empresa - expressão do seu poder de barganha. A vantagem de se aplicar políticas comerciais baseadas nessa análise simultânea do valor "do" e "para" o cliente é que a empresa vendedora irá explorar melhor as oportunidades presentes em cada situação. Suponha dois clientes de grande importância para o seu negócio (alto "valor do cliente"). Um deles percebe um grande valor de sua empresa "para" o negócio dele, enquanto o outro não valoriza seus atributos e diferenciais. Embora eles tenham o mesmo valor estratégico, a política comercial para o primeiro deve priorizar contratos de longo prazo e parcerias estratégicas no desenvolvimento de novos negócios, enquanto a política comercial para o segundo deve apostar no reposicionamento de sua oferta, tendo em vista alterar para melhor a percepção de valor entregue para esse cliente. São políticas comerciais bastantes diferentes para clientes que, em uma primeira análise, poderiam ser alvo de políticas semelhantes. Para operacionalizar tais decisões no dia-a-dia gerencial, a empresa deve coletar informações com todos os colaboradores que fazem interface com os clientes (vendedores, prestadores de serviços, atendimento pós-venda etc.) e incorporar mecanismos de controle da performance de vendas baseados não apenas em dados internos da companhia. É importante que a empresa estruture sua Inteligência Competitiva com base em dados externos, evitando um certo tipo de patologia corporativa freqüente hoje em dia, que é a desatenção para com os movimentos dos concorrentes e dos clientes. O ideal é que tais mecanismos de controle sejam incorporados ao processo de gestão. Não basta apenas tirar "fotografias" trimestrais ou mensais da realidade: é preciso fazer a "filmagem" ininterrupta da performance da empresa, dando sinais de alerta instantâneos ao gerente para que os rumos sejam corrigidos em tempo. No entanto, é importante fazer isso sem prejuízo de um certo nível de estabilidade e constância da estratégia da empresa. Mas esse é assunto para outra coluna. Nota do Editor: Ricardo Pitelli de Britto é Professor de Marketing e Estratégia da Business School São Paulo e Consultor-Senior da Praxian, consultoria especializada em Marketing B2B.
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