Piratas e tesouros escondidos encantaram e povoaram a mente da menina de 13 anos, na pacata Divisa Nova, cidade de apenas 5 mil habitantes, no Circuito das Águas, em Minas Gerais. A Ilha do Tesouro foi o primeiro livro que Benedita Imaculada Bastos leu, há 40 anos. Depois de mergulhar nas aventuras criadas pelo escocês Robert Louis Stevenson, Benedita nunca mais parou de ler. Perdeu a conta de quantas vezes foi à biblioteca pública de Passos, também em Minas, onde vive atualmente, e trabalha como doméstica para a mesma família há 30 anos. “Leio no quarto, antes de dormir e quando acordo de madrugada, pego o livro de novo”, diz. Também assiste a novelas, mas lê nos intervalos comerciais. “Sou muito caseira, minha companhia são os livros”, afirma a mulher de 53 anos. Benedita gosta de romances, já leu quase todos os clássicos e, no momento, está encantada com Laços de Ternura, de Larry Macmurtry, depois de ler O Código Da Vinci. Ela se emociona com as tramas e lembra com tristeza a morte de Helena, no romance de Machado de Assis, um de seus autores preferidos. Também cita outros, como Jorge Amado e José de Alencar. Mas, para Benedita, os livros não trazem apenas emoção: “Aprendo muitas coisas e palavras desconhecidas”. “Benedita tem a ficha mais extensa da biblioteca”, afirma a jornalista Luciana Grilo, amiga da família da casa onde Benedita trabalha. “Agora, ando sem tempo, leio só três livros por mês”, justifica a empregada doméstica. Se tivesse sido entrevistada para a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, Benedita poderia ter contribuído para aumentar ainda mais o índice de leitoras registradas no levantamento feito em 2007 pelo Ibope, sob encomenda do Instituto-Pró Livro. Um dos dados da pesquisa realizada com 92% da população revela que, entre 55% dos que se declararam leitores de livros, 55% são mulheres, 8% a mais que os homens; que representam 47%. A amostra definida representa a população brasileira acima de cinco anos de idade, e a leitora exemplar de Passos está entre os 7,3 milhões de pesquisados que estudaram até 4ª série do ensino fundamental. Leitores com ensino superior somam 15%, universo em que se inclui a jornalista Evane Pache, de 40 anos, moradora de Florianópolis, em Santa Catarina. Ela lê em torno de 15 livros por ano, e tem o hábito de ler mais revistas e materiais publicados na internet. “Gosto de literatura em geral, mas tenho interesse por biografias, poesia e assuntos esotéricos”, afirma. Evane lê três livros ao mesmo tempo e leu o primeiro aos 14 anos, Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva. “Acho que a leitura amplia possibilidades em muitos campos. É conhecimento, informação, é cultura, é percorrer estórias e histórias, e isso sempre nos aumenta as condições e os instrumentos de ler a vida. Ao ler, também aprendemos a elaborar melhor a nossa comunicação tornando-a mais eficaz tanto na fala quanto na escrita”, avalia. Lê em qualquer lugar: no café, no avião, na ante-sala de consultório, na praia, mas gosta mesmo do silêncio de casa. “Acho que cada livro é um universo diferente de informações e sensações. Isso é instigante para mim. Gosto de conhecer mais, de saber o que os outros pensam ou escrevem. Adoro procurar bons textos, novas construções e possibilidades de escrita. A cada livro parece que a mente se expande”, diz. Para a publicitária e apresentadora de TV de Natal, no Rio Grande do Norte, Neila Medeiros, de 31 anos, as mulheres lutam tanto por igualdade que, no caso dela, acabou ficando sem tempo para ler os livros que deseja. “Devo ler um livro e meio por mês, e sinto falta de mais. O dinamismo dessa vida moderna me leva a leituras mais rápidas como revistas semanais de notícias e jornais diários”, comenta. O que mais fascina a publicitária é, por meio da leitura, conhecer a história das pessoas. Por isso, prefere as biografias. “Acabei de ler um livro ligado a meu trabalho, Televisão – A Vida pelo Vídeo, de Ciro Marcondes Filho, que fala da influência da TV nas pessoas e do que ele chama de eletronização dos sonhos. Gostei bastante.” Sua memória mais antiga de livro não está ligada a textos, mas às ilustrações de Ziraldo e seu Bicho da Maçã além de outras fantasias, que, como diz, “fazem da infância um mágico estágio de descoberta das palavras”. Como viaja muito, ela está sempre pronta para a companhia do livro. “Aeroportos, aviões e livrarias sempre me fazem comprar mais um. E terminar o dia com um bom livro de cabeceira também me faz feliz”, afirma. Neila diz que a leitura é fio condutor de seu trabalho e de sua vida. E lamenta o nível de desigualdade da população brasileira: “Infelizmente, o Brasil ocupa o inquietante penúltimo lugar no ranking de alfabetização na América do Sul”, afirma, lembrando que os excluídos analfabetos são a parte mais frágil da sociedade, privados do conhecimento e do senso crítico. Essa preocupação a fez tornar-se voluntária em um projeto de leitura e contação de histórias para crianças e deficientes visuais. “Isso me fez muito bem. As palavras estão em toda parte e só quem não sabe interpretá-las conhece a escuridão que é viver sem ler o mundo”, diz a apresentadora de TV. “A leitura é algo que transcende a alma, o conhecimento e os nossos obstáculos”, afirma Josélia Mara Viana Neves, de 27 anos, publicitária em Teresina, no Piauí. Ela teve os pais como exemplo e incentivo para ler, embora, atualmente, leia mais revistas e jornais, restringindo os livros a um por mês. Busca histórias reais que, segundo ela, trazem mais envolvimento: “No momento, estou lendo o livro A Lição Final, de Randy Pausch. A leitura nos leva a locais que às vezes nem visitamos, nos faz conhecer culturas incríveis, prender outros modos de pensar, novas palavras e novas pessoas.” Envolvida com turnês, ensaios e decoração de textos, a atriz e produtora Sônia de Paula, de 55 anos, do Rio de Janeiro, não encontra muito tempo para ler o quanto gostaria. “Nos três últimos anos, li quatro livros por ano. Gosto muito de ler os jornais da minha cidade, O Globo, JB, Extra. Procuro sempre me manter informada sobre as questões relacionadas com o mundo e com assuntos cotidianos que nos cercam”, afirma. Seu primeiro livro foi, aos 10 anos de idade, Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos, obra que fascinou uma geração de adolescentes e que deixou nela boas recordações. “De muitos anos pra cá, tenho me interessado pelas biografias. Sinto curiosidade em saber os caminhos que as pessoas traçaram para chegar aonde chegaram. A experiência de vida, de alguma forma, acrescenta à vida da gente”, comenta. Sônia avalia a contribuição da leitura: “Por mais elaborado ou mais simples que seja o livro, sempre soma algo em sua vida. Quando leio, minha motivação é crescer, aprender, transformar e claro, sonhar.” Benedita, Evane, Josélia e Sônia estão entre os 41 milhões de pesquisados que não são estudantes e têm em comum a busca do conhecimento, além do prazer e do envolvimento emocional que a leitura proporciona, motivação de 63% dos entrevistados para ler. São pessoas com acesso fácil à leitura, principalmente pela classe social e renda familiar. São dados aparentemente otimistas, mas há que se refletir sobre as razões – além da baixa escolaridade – que ainda impedem 77 milhões de brasileiros de ler. A quem interessa que o Brasil se torne um país de leitores? “Interessa a todos: governo, livreiros, editores, autores... Há, portanto, amplo espaço para a construção de acordos, distribuição de responsabilidades e projeção de resultados à altura dos nossos desafios”, afirma Jeanete Beauchamp, mestre em educação.
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