Embora seja marcado por escândalos de corrupção e pelo impeachment, o governo Collor (de março de 1990 a outubro de 1992) funcionou bem durante os primeiros meses. Esse foi o tema de pesquisa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP realizada pelo cientista político Guilherme Stolle Paixão e Casarões. O estudo mostrou como o então presidente Fernando Collor conseguiu governar o Brasil com apenas 25% de apoio no Congresso. A pesquisa revelou também a eficácia de algumas medidas, como o polêmico Plano Collor e a opção por um governo minoritário sem grandes alianças políticas. A proposta do estudo foi identificar a viabilidade de governos minoritários no Brasil a partir do estudo do governo Collor. Casarões conta que consultou basicamente jornais, revistas, análises de professores que acompanhavam o governo e entrevistas publicadas com os envolvidos. A fonte mais relevante foi o Diário do Congresso Nacional, que continha as votações e os discursos dos parlamentares. O pesquisador diz que, no calor do momento, a literatura da época considerava o Brasil ingovernável. O estudo atual mostra o contrário: “O Brasil do Collor foi governável. A alternativa minoritária era racional dentro da proposta inicial do presidente, principalmente na aprovação do Plano Collor”, explica, “o problema do governo foi mais a corrupção e não um problema institucional”. Segundo o pesquisador, quatro fatores principais determinaram a composição minoritária do governo. O primeiro foi a mudança da estrutura partidária no Brasil. Com a criação de dezenas de novos partidos, as grandes legendas, principalmente o PMDB, se enfraqueceram. Outro fator foi a crise hiper-inflacionária que o Brasil enfrentou na passagem de 1989 para 1990: o país teve uma inflação em torno de 2000% no ano, ou seja, cerca de 160% ao mês. O terceiro ponto é o aumento do poder presidencial a partir da Constituição de 1988. O presidente passa a ter iniciativa exclusiva sobre vários itens, como as medidas provisórias (MP), orçamento e alguns temas legislativos. Segundo Casarões, caso a lei previsse um presidente sem poderes, provavelmente Collor teria rumado por um caminho de alianças. Com mais poderes, ele pode optar pelo confronto direto com a oposição. Por último, as chamadas “eleições solteiras” que, por conta da nova constituição, o presidente foi eleito em 1989 e os congressistas em outubro de 1990. Collor começa a governar em março de 1990 com os congressistas eleitos em 1986. Com o curto período de contato, o presidente viu que poderia bater de frente com os atuais congressistas, já visando as eleições de outubro. Se ele conseguisse manter sua popularidade, provavelmente elegeria seus aliados para o Congresso. Plano Collor Casarões lembra que Collor lançou 22 MPs assim que tomou posse. “Isso foi uma aberração constitucional, mesmo não sendo ilegal”. A estratégia do presidente estava no fato das MPs valerem imediatamente a partir de sua publicação. “Usualmente, o Congresso precisa aprová-las ou não em 30 dias, mas os parlamentares têm que pensar duas vezes se valerá a pena bloquear a medida, porque os efeitos da retirada podem ser maiores que os da implantação”, analisa. Foi o que aconteceu, por exemplo, com MP 168, que sequestrava a poupança e contas-correntes, limitando o saque em 50 mil cruzados (cerca de 1.500 dólares). Se um mês depois, o Congresso vetasse a medida, todas as poupanças sequestradas voltariam a existir, gerando um caos na economia brasileira muito maior que o sequestro em si. Dessa forma, mesmo com um governo minoritário, Collor consegue negociar com a bancada do PMDB, o maior partido da época. A estratégia funciona: o PMDB é induzido a votar junto com o presidente em vários pontos, mesmo sem um apoio nominal. “Isso é o interessante, se o Collor é um amador, como diziam na época, como ele conseguiu esse começo bem sucedido? A resposta é que, naquele caso específico, o governo minoritário foi viável e necessário” explica o pesquisador. Vários economistas da época e mesmo hoje, revisitando tudo que aconteceu, constatam que, tecnicamente, o Plano Collor é impecável. Segundo a teoria econômica, o Plano era a solução mais óbvia para acabar com a inflação. “Era um plano super-ortodoxo, a equipe econômica do Collor foi aplaudida até por opositores, como o Aloísio Mercadante” conclui o pesquisador. Mais informações: casaroes@gmail.com, com o pesquisador Guilherme Stolle Paixão e Casarões.
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