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COLUNISTA
Nenê Velloso
08/07/2009 - 14h15
Construindo o passado III - 5
 
 
Abertura da escola isolada da Picinguaba (Em 09 de março de 1927)
Arquivo Nenê Velloso 

No dia 09 de março de 1927 saiu, às 04h00, da rua Jordão Homem da Costa, s/n (hoje nº 329), no centro da cidade de Ubatuba, em companhia do pai, Francisco Matheus da Costa Ferreira (Chico Matheus), a sobrinha, Maria Bordini do Amaral, mais conhecida por Maria Amaral, e um camaradinha, que traria de volta um ofício, provando que abrira as aulas. Foram andando a pé até a praia do Prumirim, (3 léguas), aí pegaram uma carona no batelão (barco usado na pesca da tainha), sendo o mestre, João André, conhecido e amigo da família. Como não temos a foto do João André, veja a foto do filho, João Marcolino, que na época tinha 15 anos de idade e acompanhava o pai nesse dia. O documento e fotos foram cedidos, pelo seu filho, o pescador Jonas Marcolino, residente na Ilha dos Pescadores. A foto do batelão é da Ilha Anchieta, todos eram iguais a este.

Com o vento favorável (terralão) chegaram às 11 horas na Picinguaba, abriu a matrícula e mandou o ofício de volta, mencionando o fato. Vieram logo os alunos que eram todos da vizinhança. Encontrou para a escola, uma casinha desocupada e, as crianças levaram bancos seus, e para sentarem, pedras da costeira. A mesa foi improvisada com uma tábua grande de 3 metros de comprimento, e o quadro negro foi cedido pela Escola de Pesca, que havia lá. Receberam cartilhas e papel, a cartilha era a da “Laurita”, foi dado início às aulas. As escolas isoladas tinham classe até o 3º ano, e diploma de 4º ano só no Grupo Escolar Dr. Esteves da Silva, na cidade. No dia seguinte já estava formada uma classe mista com 36 alunos, todos sem alfabetização alguma.

A lancha do Zé Maria fazia o trajeto pelas praias, uma vez por mês, atracando para o pescado e passageiros. Também havia o barco de pesca do professor Thedorico de Oliveira; esse barco ia até Picinguaba, e às vezes aproveitava a carona até a cidade para receber o pagamento, ficando então por 3 dias para estágio a bordo em um desses vapores – Atlas, Oyapóque, Aspirante Nascimento, Prudente de Morais, Mayrinck, Laguna, Itaipava e outros que vinham com examinadores da cidade de Santos e ficavam fundeados na Prainha, para orientar as professoras na atualização de novos métodos do ensino, mas quando o mar estava muito agitado, essas aulas eram ministradas no Grupo Escolar Dr. Esteves da Silva. (Veja foto: Grupo Escolar, o barco Atlas e o vapor Itaipava. A foto do vapor Itaipava, do arquivo Edson Silva, atracado no trapiche na costeira da praia do Itaguá; anos depois, foi instalado neste trapiche um guindaste que, ao invés de ser preservado, foi destruído, como a própria cidade.)

Itaipava, Atlas e Grupo Escolar Dr. Esteves da Silva. - Imagem: © Arquivo Nenê Velloso

Tendo o seu pai voltado, ficou ela com a sobrinha Maria Amaral, a qual a ajudava nas aulas e nos afazeres, pois não havia no lugar, recursos estabelecidos; juntavam lenha no morro que os vizinhos auxiliavam, uma vizinha fazia farinha gostosa, e com o tempo contratou uma empregadinha para ajudá-la, mediante pagamento. As lanchas vindas do Rio de Janeiro fundeavam próximo da sua casa, que era em cima da costeira, e traziam freqüentemente pão e biscoitos. (Nos tempos de pescaria de tainha, maio e junho, logo que chegou, houve uma pescaria de 13 mil tainhas em um só lanço, única redada, e até hoje não se teve notícia de outra pescaria igual.)

Todas as pescarias tinham o “quinhão da Santa”. A padroeira da vila era Nossa Senhora da Conceição. Nessa pescaria, a canoa de aparação, que aparava o quinhão da Santa, a maior das canoas, aconteceu que, umas 400 tainhas dessa canoa, uns espertinhos não quiseram levar todas para a Santa, então, as esconderam nas pedras da cachoeira no porto do Engenho, que era perto da casa da escola (uns 200 metros). As moças do lugar, que conheciam o costume, contaram que a canoa fora a seu porto e enterraram as tainhas na praia. Então, a professora em companhia de outras moças correu para lá, e lá estavam as tainhas. Pegaram todas e jogavam pela janela da Escola, pois a porta estava fechada; eram 10 horas da noite.

Dona Paládia, irmã da professora Dionísia. - Imagem: © Arquivo Nenê Velloso

As tainhas foram todas aproveitadas e salgadas e sua irmã Paládia, que lá estava, ajudou a limpar os peixes, e trouxe grande parte para Ubatuba, bem como um rosário de “peruãs”, que é uma espécie de moela da tainha. Essas moelas depois de secadas ao sol, estão prontas para serem consumidas. Quando o tempo está ruim e o mar agitado, ninguém saía para pescar, daí à salvação era os “peruãs”, como se fosse palmito de carne-seca, eram cozidos no feijão, uma espécie de feijoada. As ovas secas faziam às vezes de pão no café da manhã e da tarde, acompanhada de farinha de mandioca bem torrada, e o coco “pati” também fazia parte.

No tempo de pescaria vinha a fartura e todas as qualidades de peixes iam vender para a professora, e com o dinheiro compravam roupas e biscoitos na venda. Havia no alto do morro da praia da escola uma capela, muito bem feita pelos marceneiros da Fazenda da Caixa da Picinguaba, que até hoje existe. Os bancos e confessionário foram feitos a pedido da professora Dionísia, ao Agro Pecuário do Rio de Janeiro, através da apresentação do seu Manoel Teixeira Leite, que era um dos chefes comunitários juntamente com seu irmão Romualdo.

Romualdo e seu filho, na cidade de Santos, SP. 1930. - Imagem: © Arquivo Nenê Velloso

Foto: Cidade de Santos na década de 1930, o líder comunitário Sr. Romualdo à direita, (falecido em 08/10/1952) ao seu lado o filho Marcos. Foto cedida pelo seu neto, Rui Teixeira Leite (atual vice-prefeito), arquivo de família do ex-prefeito Zizinho Vigneron.

Os moradores da Picinguaba preparavam com azeite extraído das cabeças das tainhas e gordura de peixe, um óleo combustível que garantia iluminação para o ano todo, substituindo o querosene, que servia também nas luminárias que eram acesas nas janelas das casas em frente da praia, como lanterninhas; na hora do cerco das tainhas e para festejar o santo, que era da devoção de cada um e ao qual prometiam acende-las. As luminárias eram instaladas em cascas de limão ou de laranja da terra, que cheias desse azeite de tainha com uma mecha de algodão, eram acesas como velas. A professora Dionísia colocava quatro em cada uma das janelas da escola, que eram três. Os moradores do lugar apreciavam que ela participasse desse costume do local, que revelava ser ela, a maneira das pessoas de lá.

Foto: O local e vestígios da escola (da direita para a esquerda) com a professora Maria Luiza Flessati, USP–SP; Aparecida Santos Velloso, Chefe da Seção do Pessoal nos governos Basílio Cavalheiro (1973–1976) e Dr. José Nélio de Carvalho (1977-1981), falecida em 05-04-1977 (negligencia médica); e finalmente a professora de Inglês, Maria Dolores, amiga de Maria Luiza. Esta visita ao local da escola foi em um domingo de setembro de 1974, portanto, já tinham se passados 47 anos, e podemos considerar um milagre, encontrarmos ainda os vestígios da escola. Veja o esteio, as linhas da cumeeira estendidas sobre as pedras do alicerce, onde estão sentadas as visitantes. A escola tinha sido demolida há um mês, e não ouve registro fotográfico. Foi uma pena!

Vestígios de escola da Picinguaba. - Imagem: © Arquivo Nenê Velloso

A casa da escola ficava no alto sobre a costeira, a janela de frente para a cidade recebendo os respingos das ondas que quebravam nas pedras. Saindo da porta da escola, descia-se por um caminho que em pouco menos de cinco minutos, chegava-se a praia. Canoas e pescadores, paralelamente o comércio, constituído por 3 vendas: uma na praia do Canto, outra na praia do Meio e a de maior porte era um armazém na própria Picinguaba, onde estava a escola. Esses comércios movimentavam a economia local. Nas vendas havia de tudo um pouco: até fazendas, comprimidos, óleo de rícino e “salamargo”. O lazer era durante o “claro”. O “claro” é a época da lua cheia, não propiciava boa pescaria. As festas eram as religiosas ou pagãs – Xiba, Folia do Divino, Folia de Reis, Ciranda e outras. Comunidade e alunos eram as pessoas que atuavam nesse cenário, a escola da Picinguaba era o palco.

A sala de aula em dias de festa era também salão de Xiba, se o inspetor escolar visitasse na escola naquele dia, também entrava na Roda de Ciranda, se não entrasse dançando, entrava na música do repentista que saudava os visitantes. A escola era deles, os outros eram visitantes. Ali os alunos estudavam tudo que o programa exigia, porém aprendiam conta de dividir, conforme se dividia o quinhão de peixe com os camaradas da rede. Diminuía-se a compra do armazém e obtinha-se o troco do dinheiro ganho na pescaria. Somava-se o preço do feijão, vendia-se a farinha de mandioca para o dono do armazém.

A cartilha adotada era da ”Laurita” que ensinava: Uma menina e um gatinho, permeado por um cachorro e um menino. A menina chamava-se Laurita, o gatinho Neves, o menino travesso chamava-se Paulo, o cachorro, Peri. Eles aprendiam a passar para a linguagem escrita o que sabiam apenas falar, neste processo a escrita interferia na fala e a linguagem mediava o ensino-aprendizagem.

As crianças eram alfabetizadas em quatro meses e não havia repetência nem evasão escolar. As reclamações dos pais surgiam quando as filhas começavam a escrever cartas para os namorados, as coisas se complicavam quando escreviam para os que não sabiam ler. Liam livros de modinha e folhetins, trazidos pelos marinheiros e assim, a trama dessa peça maravilhosa ia se complicando, se resolvendo, se transformando... A primeira escola do governo foi essa, onde foi lecionar. A criançada eram 36 analfabetos completos. Em 4 meses alfabetizou 22, e os alunos que mais se destacaram foram eles: Silvino Teixeira Leite e Antonio Gomes. Saibam mais sobre eles em "Considerações Finais".

[Clique aqui para acessar a listagem dos textos (já publicados) da série Construindo o passado III.]


Nota do Editor: Francisco Velloso Neto, é nativo de Ubatuba. E, seus ancestrais datam desde a fundação da cidade. Publicado no Almanak da Provícia de São Paulo para o ano de 1873. Envie e-mail para thecaliforniakid61@hotmail.com.
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