"É impossível a um homem aprender aquilo que ele pensa que já sabe." - Epicteto Concordamos que a dificuldade de olhar um objeto ou situação sob novos ângulos e de repensar a respeito procede de noções como normal versus anormal e certo como antípoda de errado, enraizadas na cultura. Mas não são apenas esses os limitantes. É necessário levar também em conta a permanência da cultura branca - européia, ibérica, católica e um tanto moura - no sistema ideológico da sociedade brasileira. Essa herança impregna o imobilismo das convicções com um sacrossanto autoritarismo que acha legítimo ser defendido com os dentes cerrados: "Essa é a minha opinião!". Faz falta um estudo antropológico do tribalismo europeu. O autoritarismo das convicções estende-se a toda a Europa, apenas com variação de nuances. Essa leitura não visa um juízo ético ou político do continente europeu, nem expressa qualquer grau de aversão. Esse traço das culturas européias inibe a flexibilidade e a expansão do pensar. Dispensável lembrar o preço alto e permanente que os próprios europeus pagam por seu "apego à verdade eterna e acomodada". Nietzsche, o precursor da linguística, foi certeiro: "As convicções são inimigos mais poderosos que a mentira". Tanto os europeus quanto os latino-americanos (e os anglo-americanos também...) precisamos ganhar clareza sobre as afinidades autoritárias que, em nossos sistemas ideológicos, estão frenando a flexibilização do pensar. Divergência & Convergência - o "milagre" Foi na América, mais precisamente no nordeste dos EUA, que a partir dos anos 50 começou o "truque", logo alçado a estratégia, de proporcionar à operação do Pensar Criativo duas etapas distintas e complementares - Divergência e Convergência. No princípio, uma aventura empírica de trabalhadores dedicados que parecem não haver levado em conta William James e John Dewey, seus predecessores e compatriotas. O que aqueles arrojados empíricos (Alex Osborn, Sidney Parnes, Ruth Noller, Angel Biondi, John Arnold, Bob Eberle e tantos outros) começaram a descobrir/inventar foram táticas como a de aproveitar o movimento do pensar para torná-lo menos previsível e, assim, desfolhá-lo em novas possibilidades, trilhas e revelações. Os achados daquelas primeiras décadas foram tão surpreendentes que logo se foi formando uma atmosfera de milagre e magia. Atraente a princípio, essa aura porém já sufocou muito do caráter neo-iluminista da saga inicial. Mas deixemos de lado essa derrapagem. Importa destacar as conquistas. Os interstícios, as nanobrechas entre os micromomentos do pensar são o campo de exploração ainda hoje predominantemente empírico da inteligência na aventura da Divergência. Penetra-se nesse oceano submerso (e deliberadamente ignorado) para "encontrar" algo que com frequência não se pretende antecipar o que seja, ou simplesmente para inflectir outro rumo ao "pensar instalado", rumo este que também não é previamente escolhido. A atitude fundamental na Divergência é o julgamento adiado, que consiste em deixar aflorar percepções, sugestões e idéias em uma fluência não-crítica. É compreensível que nesse clima predomine o pensar lúdico que, para as pessoas não previamente preparadas, parece irresponsável e improdutivo. Ao fim de uma sessão de divergência, faz-se uma coleta, ainda não o julgamento, do material que pode provocar outras associações na passagem para a Convergência. Antes de falarmos da Convergência, citemos alguns instrumentos e técnicas utilizados na Divergência, tanto para penetrar nos interstícios do processo de pensar quanto para contribuir para uma nova correnteza. O brainstorm é sem dúvida o mais frequente, por ser o mais simples e o mais produtivo. No que se refere à prática no Brasil, mais de 90% do que se pretende como brainstorm ainda não o é, porque são reuniões em que falta exatamente o julgamento adiado, requisito imprescindível, e porque tanto os grupos não foram instruídos para a atividade como os "facilitadores" são na verdade monitores que por alguma razão não foram preparados técnica e eticamente para a responsabilidade. Mas aqui mesmo no Brasil há quem também pratique a Escada da Abstração (recurso inspirado na técnica socrática e dos sofistas de trabalhar com as perguntas "Por que?" e "Para que?"), a Associação Forçada ("forced fitness") e "check-lists" como o Scamper e o Roteiro do Repórter, que são produtivos quando em real clima de divergência. Se forem praticados como um simples mapeamento de memória, nada acrescentam para a finalidade. Ao haver proliferado variedade na etapa da Divergência, ingressa-se nas táticas de aproveitamento quase-crítico - a nosso ver, mais-que-crítico - da Convergência. Aqui busca-se foco, mas reinam atitudes avessas à "crítica burocrática" vigente nos círculos técnicos, administrativos e acadêmicos. Por exemplo, o julgamento afirmativo não é o milenar julgamento de Talião, que condena, elimina, pune, expurga. É mais uma radiografia ou análise de atributos. Em vez de afirmativo - anglicismo de sentido difuso para nosso entendimento em línguas latinas -, talvez devesse chamar-se julgamento descobridor, aprendiz, aproveitador ou salvador. São surpreendentes os ganhos de quem passa a praticar a alternância das etapas Divergência & Convergência. Surpreendentes porque a prática continuada não cessa de proporcionar diferenciações e descobertas nos mais diversos campos. Surpreendentes porque chegam a mudar cursos de vida. E surpreendentes porque com frequência surpreendem as mentes mais atentas. A flexibilização do pensar amedronta os autoritários dentro de suas armaduras. Mas, quando o julgamento adiado e o julgamento afirmativo conseguem penetrar as frestas das convicções, acontece aquilo que os beatos do não-pensar chamam de milagre do salto lógico. Nota do Editor: José Leão de Carvalho é diretor metodológico do Ilace (www.ilace.org.br).
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