Você pode não acreditar... mas aconteceu!
Arquivo Nenê Velloso | |
A escola também tinha um valente guardião, era um “bem-te-vi”, sendo uma ave madrugadora, e como a professora não tinha despertador, quando se rompia em meio ao amanhecer o silvo estridente do bem-te-vi avisando a professora que estava na hora de acordar. Mas, quando o pequeno pássaro ficava de topete eriçado, mudava o tom de sua voz e em revoadas rápidas, e de asas abertas, arrastando em cima da pedra da costeira em rodopios, correndo e ciscando de um lado para outro como se estivesse em perigo e pedindo socorro, era alguém estranho se aproximando da escola. O alvoroço e a algazarra de um único pássaro chamaram a atenção dos alunos e da professora, que veio até a janela e, por estar no alto, tinha uma ampla visão de tudo que estava em sua volta: da praia, do caminho que dava acesso à escola e da baía da Picinguaba. Foi quando avistou ao longe um barco se aproximando, mas não deu importância, porque não podia acreditar que um pássaro pudesse identificar um barco estranho ou alguém estranho dentro de um barco conhecido, a longa distância. O porto muito movimentado era rotina, dezenas de barcos chegando e saindo. Os alunos gritando... é isso mesmo professora! Quando o passarinho fica assanhado, ele está dizendo que vai fazer um ninho. - Deixem de história crianças! O bem-te-vi, só faz ninho bem no alto das árvores, nas grimpas, quem faz ninho nas pedras da costeira é gaivota, morcegos e andorinhas. O bem-te-vi também voou, e tudo voltou ao normal, a aula continuou e a professora voltou para a sala resmungando... em época de acasalamento é isso mesmo. Mas o bem-te-vi não tinha se equivocado, aquela pequena embarcação, trazia a bordo, o inspetor escolar, para vistoriar a recém–criada escola isolada da Picinguaba, pegando a professora Dionísia de surpresa. Exatamente naquele dia, não tinha água fresca no pote, nem os tradicionais vasos com flores sobre a mesa, ficando em uma situação constrangedora diante do inspetor, para ela, isso era falta gravíssima, esse fato não mais se repetirá, e com o passar dos dias, esse acontecimento virou folclórico. Até quando um beija–flor entrava na sala de aula, a criançada já gritava em coro. - O inspetor já chegou... professora! - e caiam na gargalhada. O bem-te-vi continuou freqüentado a mesma pedra em frente à janela da escola. Era o seu território. No ano seguinte o mesmo pássaro repetiu tudo outra vez. A professora e os alunos correram para janela e, de olhares fixos para a cidade que se perdiam no horizonte, nada avistaram, o único barco que estava fundeado perto da escola era a lancha do Zé Maria, que não levantava suspeita, porque fazia os trajetos pelas praias, atracando em todas elas para o pescado e passageiros. Na sala de aula, o comentário foi geral, agora o bem-te-vi está errado, mas a professora Dionísia sempre tinha um provérbio para cada situação. Dessa vês usou dois: - Crianças, o “seguro não morreu de velho, está vivo até hoje”. “Caiçara que se preza não deixa passar camarão por malha”, e por via das dúvidas... vamos dar uma boa varrida na sala, trocar a água do pote, as flores do vaso... Determinou ainda, que as meninas amarrassem seus cabelos, e aos meninos e meninas que limpassem debaixo das unhas, porque quando o inspetor chegava, tinham que pôr as mãos sobre a carteira, para demonstrar que recebiam orientação básica de higiene. Uma hora antes de encerrar as aulas, a professora foi avisada por um pescador que o inspetor já tinha chegado, e estava descansando na lancha do Zé Maria, e já estava a caminho da escola. (Exatamente aquela lancha do Zé Maria, que não levantava suspeita, lá estava o inspetor descansando). Coincidência ou não, acredite se quiser, durante os 4 anos que lecionou na Picinguaba, o bem-te-vi acertou todas as visitas do inspetor. [Clique aqui para acessar a listagem dos textos (já publicados) da série Construindo o passado III.]
Nota do Editor: Francisco Velloso Neto, é nativo de Ubatuba. E, seus ancestrais datam desde a fundação da cidade. Publicado no Almanak da Provícia de São Paulo para o ano de 1873. Envie e-mail para thecaliforniakid61@hotmail.com.
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