O Senado Federal aprovou o projeto de lei (PL) que institui o número único de Registro de Identidade Civil, para reunir a numeração do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), carteira de trabalho, Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e passaporte. Porém, precisamos refletir e ver a quem o projeto de unificação verdadeiramente beneficia. "Conheces o nome que te deram, não conheces o nome que tens." Primeiramente, a regra segundo a qual perderão "a validade todos os documentos de identificação que estiverem em desacordo com ela" se revela temerária, pois a identificação civil não deve impedir o acesso aos serviços públicos essenciais. Exemplo de burocracia excessiva aconteceu com alguns alunos estrangeiros em situação ainda irregular no país: seus diplomas de educação básica não eram concedidos, simplesmente porque o sistema de informação do Estado não permitia o cadastramento do aluno sem o prévio preenchimento do campo destinado ao Registro de Identidade. A complementação de seus estudos só foi possível após o governo estadual determinar a adequação do sistema. O novo projeto carece de cuidados com o direito à privacidade, pois facilitará a interferência na vida privada, sem oferecer instrumentos claros contra tais interferências, a teor do disposto no artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Não se trata apenas de um risco fictício de George Orwell, como bem demonstram as diversas denúncias jornalísticas de venda de banco de dados fiscais nas ruas das nossas metrópoles e o episódio recente do caseiro Francenildo Santos Costa. Os agentes do Estado terão maior facilidade para consolidar as informações fiscais, pessoais e consumistas do cidadão, pois o projeto prevê um só número para identificá-lo "em todas as suas relações com a sociedade". Aos interessados na desburocratização bastaria a inclusão do número de outros documentos na cédula de identidade, faculdade já prevista na Lei nº 9.049/95. A mera comunicação entre os sistemas estaduais de identificação já existentes seria um investimento mais eficiente se considerarmos que a execução do projeto de unificação de identidade demandará aproximadamente R$ 1,34 bilhão, quantia muito superior ao que o governo federal gastou em liberações do Fundo Nacional de Segurança Pública para os Estados em todo o período de 2003 a 2006. De qualquer forma, o PL sobre unificação dos documentos deve prever regras estritas sobre o uso das informações, limitando o seu acesso a um número reduzido de pessoas consideradas seguras e uma fiscalização rígida do órgão público, sob pena de responsabilização. Nota do Editor: Daniel Lacsko Trindade, formado pela PUC/SP e advogado no setor contencioso de Rubens Naves, Santos Jr, Hesketh Advogados Associados. E-mail: dlt@rnaves.com.br.
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