Conversando com meu amigo Isaias Mendes, em frente a praia do Cruzeiro, apareceu uma mulher muito conhecida por nós. Poucos anos atrás, ela era linda, alegre, limpa e sorridente. Mas agora, aquela que estava ali, estava muito diferente: toda suja, rasgada, machucada, unhas quebradas e cabelos arrancados, completamente deformada. Perguntamos o seu nome e ela respondeu: - Não sei! - Onde você mora? - e ela respondeu: - Não sei! - Você tem família? - Não sei! - Quantos filhos você tem? - Não sei! - Você conhece a praia da Maranduba? A praia do Camburi, Picinguaba, Tenório, fortaleza, Itaguá??? - Não sei!!! Não se lembrava de nada, pois havia perdido a memória, devido aos maus-tratos, os sofrimentos. As drogas atingiram seu cérebro, o câncer vem corroendo sua beleza... Mas nós que somos seus filhos, não perdemos a memória e lembramos muito bem de sua beleza, de seu perfume, de seu vestido verde, de seu véu azul e de toda sua exuberância. Suas lágrimas eram limpas, de águas cristalinas, onde pássaros e peixes se alimentavam. Seus brincos eram seus granitos, o verde-Ubatuba, que só ela tinha e ainda tem. Mais ninguém! Seus lábios coloridos, do mimo e do manacá, seu sorriso amigo seus lábios doce-mel. Seus jundus, abricoeiros, goiabeiras e araçás; as crianças abraçar. Suas filhas são oitenta, todas loiras, umas bravas outras mansas. Coitada! Não se lembrava de mais nada... Desceu uma ferida serra abaixo e transformou-se em câncer margeando o oceano; apareceram as drogas. Estradas, rodovias, desmatamento, poluição, desorganização, ganância, desrespeito. Tudo de uma só vez. Ela tenta ser forte; regenera-se, mas não vence a corrosão. Não precisa ter avião ou ser gavião; dá Cruz de Ferro se vê. Todo mundo vê. São feridas surgindo em seu ventre. Todo mundo vê, só Eles não vêem. Todo mundo vê, até os guaiamus, os caranguejos vêem. Não precisa ser socó ou saracura. Todo mundo vê, só eles não vêem. É difícil ver? Não! É só passar pela ponte e olhar o mangue! Todo mundo vê, só eles não vêem. “O pior dos cegos é aquele que não quer ver”. Éééé! Não estão vendo! A nossa menina precisa do mangue, precisa da mata, precisa do rio e do mar limpo, precisa do canto do sabiá, da borboleta e borrachudo. Precisa de tudo isso para atrair o turista de qualidade, nacional e internacional. O turista quer conhecer o manacá, o guaruçá, o guaiamu, e principalmente o caiçara, sua arte, sua sabedoria, sua vida. Tudo isso é novidade, é curioso e é isso que atrai o turista: beleza pura e natureza viva, e não sujeira, poluição, flores de plásticos e de papelão surgindo nos morros e manguezais. Todo mundo vê... Só não vê quem não tem amor por ela; amor mesmo, aquele amor de mãe, aquele amor de quem cresceu sendo amamentado em seu seio, comendo de seu peixe, de sua banana, de sua farinha. Faltam poucos dias para esta mulher completar mais um ano de vida. É em outubro, em plena primavera. O que vamos comemora? Nós caiçaras, pedimos às nossas autoridades, aos nossos políticos, aos homens públicos, que no dia 28 de outubro subam no alto da serra, fiquem pertinho de Deus e olhem para baixo, observem com atenção que o brilho da esmeralda está se ofuscando, está se apagando. Pedimos a eles e aos outros que tenham mais carinho, amor e respeito por essa menina chamada Ubatuba. Nossa querida Ubatuba. “A Esmeralda do Atlântico”. Nota do Editor: Crônica do saudoso “poeta do pé rachado”.
|