Li na revista eletrônica “O Guaruçá” que um suplente, ao estrear na Câmara Municipal de Ubatuba, como Vereador, fez indicação no sentido de se instalar na Serra do Mar, na Rodovia Oswaldo Cruz, um Portal, com diversas funções administrativas, inclusive fiscais, imagino que como as das alfândegas portuárias. Não se pode, no caso, afastar a boa intenção do edil que durante toda sua vida em Ubatuba, foi um Oficial Militar preocupado com o combate ao crime. Creio que sua preocupação maior seria justamente a facilitação dos flagrantes delituosos de forasteiros. Lembro que Ubatuba conta com apenas três entradas a permitir o acesso de forasteiros: A da BR-101 pelas cidades do sul do Rio de Janeiro, onde já há um posto rodoviário federal no “belvedere” do Félix, já em território do Município de Ubatuba, outra na mesma rodovia na divisa do Município com o de Caraguatatuba, onde existe um posto rodoviário estadual, e outra na Rodovia Oswaldo Cruz, onde existe também posto rodoviário, no pé da serra, na estrada de Ubatuba-Taubaté. Sem querer entrar no mérito político da idéia, nem querendo mergulhar na hipnose de viajar no tempo, a indicação me deu arrepio, porque parece coisa do além. Acerca de uns oitenta anos atrás, alguém que já morreu, segundo consta nos bastidores da história da cidade, ainda quando mandavam os “coronéis” da política local, e quando os primeiros carros da Ford (os 29) tentavam chegar a Ubatuba, pela estrada de terra da serra, um “coronel” político teve idéia semelhante. Segundo consta, embora não se saiba se fato ou boato, o “coronel” teve a idéia de pedir ao Interventor Estadual para colocar uma porteira no alto da Serra do Mar, onde tem início a descida na estrada Taubaté-Ubatuba, para proibir o acesso de pessoas desconhecidas, consideradas de modo generalizado, como mal intencionadas. Somente pessoas bem intencionadas, como as que viessem a Ubatuba para prestar serviços sociais ou religiosos, como médicos ou filantrópicos, juízes, promotores, delegados, teriam a permissão do acesso. Se isso fosse possível, até que a idéia, aparentemente absurda, poderia trazer alguns benefícios. Afinal o político tem ótica diferente da sociedade que representa. Às vezes ele consegue escrever certo por linhas tortas. E as vezes escreve torto por linhas certas. Posso citar alguns dos benefícios da Porteira da Serra: Se a porteira existisse, pela estrada da serra só desceriam pessoas boas, com intenção de ajudar a comunidade local, não desceria pela estrada da serra as “tranqueiras” que enchem e entopem as curvas dos nossos rios. Outro benefício seria a preservação absoluta dos nossos bens naturais, não sendo necessária a política tão repressiva das nossas autoridades ambientais, que vivem imaginárias batalhas de combate às “degradações ambientais” do Município. Tudo seria como era antes, quando a Cultura Caiçara se responsabilizava pela preservação de matas, rios e praias. Mais um benefício seria evitar o genocídio caiçara, sendo possível a essa comunidade, manter seus sítios hortigrangeiros, sua pesca artesanal e seu artesanato de taquara-açú, dos ciros, balaios e samburás, antigamente de destaque internacional, como os famosos chap produtos de palha de coqueiro, as esteiras de taboa e os tapetes redondos de embira, até exportados para a Europa. Outro benefício ainda seria o freio do poder político local pela comunidade natural que controlaria a irregular ocupação territorial migratória, sem prejuízo dos interesses econômicos e sociais da comunidade. O poder político executivo das últimas décadas é, sem dúvida, o maior responsável pela violenta desintegração social da comunidade natural, sem chances de integração para os migrantes qualificados e bem intencionados, que ficaram dispersos e sem possibilidade de se integrarem em qualquer movimento comunitário. Creio que não seja utopia, mas acho praticamente impossível realizar-se a integração social da sociedade natural de Ubatuba. Acho que não ocorrerá, por outro lado, a miscigenação, a curto prazo, mas a nova sociedade emergente ou comunidade ubatubense deve se integrar socialmente, sem abrir mão da seleção política, na hora da “limpeza dos rios”. O que estiver parado nas curvas dos rios deve ser jogado no lixo, ou seja, deve ser separado o joio do trigo, para que a sociedade não pereça e a comunidade possa nadar em águas transparentes, como antigamente. Quando sinto meu paletó e minha gravata desaquecidos, sinto saudades do velho paletozinho que meu pai colocava nas minhas costas, pela madrugada, na hora que me abraçava e caminhava comigo para a Praia do Tenório, para participar da pesca da tainha, com suas redes e suas enormes canoas. Aquele surrado paletozinho esquentava-me, porque era aquecido com o calor humano paterno. Toda a área da Praia do Tenório e a maior parte da área da contigüá Praia Vermelha pertenceram à família do meu pai, por sucessão tradicional centenária. Foi ali minha primeira e inesquecível morada, onde desfrutei da mais rica e interessante infância, raro privilégio de morar numa mini fazenda de produção de cana-de-açúcar e engenho, avícola e criação de gado bovino e eqüino, à beira-mar. Sinto saudade da Praia do Tenório dos tempos antigos. Lembro das fartas pescarias de redes de arrasto puxadas geralmente à noite ou de madrugada, de fora para a praia, a curta distância, de variadas espécies de peixe, como roncador, betaras, tainha, corvina, garabebê, pampo, bagre amarelo, cações pequenos e outros, tudo acabado pela pesca industrial e por falta de políticas públicas eficazes. Pouca gente acredita quando conto, mas eu “surfava” a cavalo, no lombo do Negrinho, do Coró e do Pelintra, que eram os meus amigos eqüinos. Esses animais nadavam nas águas do mar e tinham instinto de salva-vidas. Bastava um grito de socorro e eles caiam no mar para salvar a gente. Eram mais sensíveis do que muitas pessoas. Quando penso em tudo o que foi destruído em nosso Município, principalmente em nossa sociedade, na nossa comunidade natural, também gostaria de fazer uma hipnose regressiva e carregar uma porteira até o alto da serra e ali colocá-la, e, se isso não fosse ficção, instalar ali um “detector de personalidade”, para impedir que mal intencionados descessem a serra para estragar nossa cidade, nossos valores, nossos recursos naturais e nossa gente, dando passaporte somente para os forasteiros bem intencionados, adotando a idéia poética do velho “coronel”, tão criticada nos referidos bastidores. Não seria apologia do bairrismo, mas tese de constituição de uma sociedade civil integrada e transparente. Mas é tarde, meu caro Oficial. Não há possibilidade de porteiras e nem de alfândegas no alto da serra. Vamos esperar que a tecnologia e a lei permita identificar e selecionar as pessoas bem intencionadas, no meio da massa social. Enquanto não chegamos lá, vamos aprender a analisar e escolher essas pessoas, pelo menos através do mais sagrado direito do cidadão, que é o voto, em processo eleitoral seguro, sem fraudes, sem “rackers”, como garantem as autoridades da Justiça Eleitoral. A seleção social pode ganhar o jogo político, integrar a comunidade, resgatar o remanescente da cultura natural da cidade, seus recursos naturais, seu poder de comandar, sem necessidade da Alfândega da Serra. Nota do Editor: Claudionor Quirino dos Santos é Bel. em Ciências Sociais e Advogado.
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