Servidor público tem direito a aposentadoria especial?
A aposentadoria especial consiste numa espécie de aposentadoria por tempo de contribuição que é concedida aos servidores que desempenham atividades nocivas à saúde ou à integridade física, e exige um tempo menor de contribuição em comparação ao tempo exigido para a concessão da aposentadoria comum. A finalidade desta modalidade de aposentadoria é a de compensar financeira e fisicamente o servidor que desempenha suas atividades laborais em condições inapropriadas para sua saúde, razão pela qual faz jus a antecipação de sua inativação, uma vez que não é cabível exigir destes servidores o mesmo tempo de contribuição exigido para os demais que laboram em condições mais favoráveis à manutenção de sua saúde e que por isso, em tese, tem melhores condições de trabalhar por um maior período de tempo. Atualmente, esta modalidade de aposentadoria encontra-se prevista no art. 40, parágrafo 4º da Constituição, com redação dada pela EC nº 47/2005, que assegura aos servidores públicos que exercem suas funções em condições que prejudiquem sua saúde ou integridade física, que atuam em atividades de risco, ou que sejam portadores de deficiência, a utilização de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria. Porém, a Constituição delegou ao legislador ordinário, a tarefa de elaborar lei complementar para definir quais os requisitos e critérios devem ser observados para a concessão da aposentadoria especial aos servidores públicos, lei esta que até hoje, transcorridos mais de 20 anos da publicação da Carta Maior ainda não foi editada. Assim, em que pese existir expressa previsão constitucional garantindo aos servidores públicos que laboram em condições especiais a possibilidade de antecipação de sua inativação, na prática estes não conseguem ter acesso ao benefício de aposentadoria especial em virtude da omissão legislativa existente. Esta situação fez com que os servidores buscassem no Judiciário o reconhecimento deste direito através do ingresso de mandado de injunção e desde 2007 o STF passou a conferir efeitos concretos à sua decisão, reconhecendo que o art. 40, parágrafo 4º da Constituição ao prever a concessão de aposentadoria especial, consagrou direito e garantia fundamental dos servidores públicos que deve ter aplicação imediata, e em virtude da ausência de regulamentação da matéria deve-se aplicar o art. 57 da Lei 8.213/91 que regula a concessão de aposentadoria especial aos segurados do Regime Geral de Previdência Social. Portanto, atualmente para que os servidores públicos que laboram em condições especiais possam usufruir o direito à aposentadoria especial que lhes é assegurado constitucionalmente, se faz necessário que estes ingressem com mandado de injunção no STF para ter reconhecida a aplicabilidade do art. 57 da Lei nº 8.213/91, pois a Administração Pública só tem concedido aposentadoria especial aos servidores que foram amparados por decisão judicial proferida em sede de injunção. Entretanto, embora o STF venha reconhecendo o direto dos servidores públicos à aposentadoria especial em sede de injunção, esta decisão por si só não implica na concessão do benefício, posto que no caso concreto, caberá a Administração Pública analisar os fatos e fazer o enquadramento do servidor que laborou em atividades especiais, levando em conta os requisitos que se exigem para a concessão deste benefício no âmbito do RGPS. Este procedimento pode gerar muitas controvérsias, visto que as regras previdenciárias do RGPS diferem daquelas estabelecidas no âmbito dos RPPS, e por isto, provavelmente, será necessário mover outra ação judicial contra o ente federativo ao qual o servidor é vinculado, a fim de buscar equalizar a aplicação das regras do RGPS no âmbito do RPPS, dada a complexidade e as diferentes possibilidades de se utilizar o tempo laborado em condições especiais no serviço público. O Supremo determina que a Administração Pública observe e aplique no que couber o disposto no art. 57 da Lei 8.231/91, assim, para a concessão do benefício exige-se que o servidor, de acordo com a atividade especial exercida, tenha laborado por 15, 20 ou 25 anos exposto a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física, assim consideradas somente as atividades insalubres. Nesse rumo, deve-se comprovar que a exposição do servidor aos agentes agressivos se deu de maneira efetiva, habitual e permanente durante o período exigido para a concessão do benefício de aposentadoria especial, contudo, há que se destacar que a necessidade de comprovação da exposição permanente só pode ser exigida para períodos laborados a partir de 28 de abril de 1995, pois somente com o advento da Lei nº 9.032/1995, que alterou a redação do 3º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, passou a ser exigida tal condição. Como nos RPPS não se vislumbrava a concessão de aposentadoria especial, os entes públicos não eram obrigados a produzir formulários de informações sobre as atividades de seus servidores exercidas em condições especiais como ocorria no âmbito do RGPS. Assim, não há como se exigir que a comprovação da exposição dos servidores aos agentes nocivos que já ocorria há muitos anos, seja feita através dos mesmos formulários exigidos pelo INSS, revelando-se como alternativa a adoção de formulários por similaridade da função ou ainda a própria avaliação pericial que era utilizada para embasar o percebimento de adicional de insalubridade do servidor. No tocante ao cálculo do benefício este será apurado com base na média aritmética das 80 maiores contribuições vertidas pelo segurado, para se alcançar o salário de benefício cujo valor integral corresponderá ao valor do benefício de aposentadoria especial a ser pago, não podendo, contudo ultrapassar o valor da última remuneração percebida pelo servidor no cargo efetivo em que se deu sua aposentadoria. No que se refere à possibilidade de conversão do tempo de serviço, não obstante o art. 57 da Lei nº 8.231/91 autorize somente a conversão do tempo especial para comum, há que se ressaltar que deve-se observar a legislação vigente na época da efetiva prestação do serviço. Os períodos laborados pelo servidor em condições comuns antes de 28 de maio de 1995 podem ser convertidos em tempo especial, da mesma forma, para fins de comprovação de atividade especial desenvolvida pelo servidor até 28 de abril de 1995, pode-se utilizar o enquadramento por categoria, conforme consta no quadro anexo do Decreto nº 53.831/64 e anexos I e II do Decreto nº 83.080/79, que por presunção legal admite o reconhecimento da especialidade da atividade exercida. Quanto à vedação existente no âmbito do RGPS de que o beneficiário de aposentadoria especial continue exercendo atividade que o sujeite aos agentes nocivos que ensejam esta modalidade de aposentadoria, há que fazer uma ressalva em relação aos servidores do RPPS, isto porque muitas vezes um servidor pode exercer atividade em outro regime lhe sendo permitida a cumulação de aposentadorias, assim, por exemplo, um médico que é servidor do RPPS pode se aposentar no serviço público mediante aposentadoria especial e continuar a exercer suas atividades profissionais em consultório particular, oportunidade em que poderá se aposentar pelo RGPS. Portanto, não se pode vedar que o servidor aposentado na modalidade especial perante o RPPS, continue a laborar em outra atividade especial se esta se der perante outro regime previdenciário. Muito embora, no serviço público exige-se como requisito para aposentadoria do servidor a idade mínima, este requisito não pode ser exigido quando da concessão do benefício de aposentadoria especial do servidor, pois estar-se-ia frustrando a finalidade deste benefício, que foi estabelecido justamente para garantir que o segurado possa se aposentar antes de se tornar incapaz, razão pela qual exige-se somente o tempo de contribuição e não idade mínima, pois seria um contra-senso exigir que o servidor que já tenha completado o tempo de contribuição espere pela concessão do benefício até alcançar a idade mínima. Aliás, tal questão já foi enfrentada pelo STF, quando do processamento do MI 758, oportunidade na qual a Corte Maior decidiu pela não exigência do requisito de idade mínima, visto que na legislação do RGPS não se exige tal requisito, não sendo cabível ao Judiciário atuar como legislador positivo e criar um sistema híbrido, aplicando disposições do RGPS conjuntamente com as do RPPS. Outra questão interessante é o fato de que para os segurados do RGPS a Constituição prevê a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria somente para os que laboram em atividades prejudiciais à saúde ou a integridade física, no entanto, para os segurados do RPPS, após a edição da Emenda Constitucional nº 47/2005, foi prevista a adoção de requisitos e critérios diferenciados também para os servidores que laboram em atividade de risco e para os portadores de deficiência. Isto posto, denota-se que houve uma ampliação de hipóteses de concessão de aposentadoria com base em requisitos e critérios diferenciados no âmbito do RPPS, o que de qualquer forma vai depender de regulamentação a ser feita por lei complementar. Quanto aos servidores públicos policiais que laboram em atividade de risco, ainda que não exista legislação complementar regulamentando esta questão após a promulgação da Constituição de 1988, o STF no julgamento da ADI 3817/DF, entendeu que a Lei Complementar nº 51/85 que previa aposentadoria especial do policial foi recepcionada pela Constituição. Nesta linha de raciocínio a Corte Maior tem entendido que a Lei Complementar exigida pela recente redação do art. 40, parágrafo 4º, inciso II, que permite a adoção de critério diferenciado para a aposentação do servidor que labora em atividade de risco, já existe em nosso ordenamento jurídico no tocante aos servidores que são policiais, devendo ser aplicada neste caso a Lei Complementar nº 51/85, não havendo que se falar em lacuna legislativa que exija a impetração de mandado de injunção. Isto posto, considerando que o servidor público policial exerce atividade de risco, este tem direito a concessão de aposentadoria com base em critérios diferenciados conforme prevê o art. 40, parágrafo 4º, inciso II da Constituição, lhe sendo permitido a inativação aos 30 anos de serviço, desde que deste tempo pelo menos 20 anos tenham sido de exercício em cargo de natureza estritamente policial, conforme prevê a Lei Complementar nº 51/85. Para os demais servidores públicos que laboram em condições de risco, tais como escrivão, guarda civil metropolitano etc., mas que não são policiais, o STF determina que também se aplique o art. 57 da Lei nº 8.213/91, para fins de concessão de aposentadoria especial. Em suma, verifica-se que embora o Supremo tenha decido por garantir o direito dos servidores públicos à aposentadoria especial, determinando a aplicação da legislação existente no âmbito do RGPS, verificam-se alguns impasses na utilização prática desta legislação no âmbito dos Regimes Próprios de Previdência Social, o que enseja a necessidade de ingresso de novas demandas judiciais a fim de garantir a efetividade deste direito. Nota do Editor: Fernanda Iatzack é advogada da Advocacia Marcatto e especialista em Direito Previdenciário pela Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis (CESUSC).
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