Epidemia de verminose assola o litoral paulista em 1952
Do ponto de vista higiênico, as condições de vida dos caiçaras deixavam bastante a desejar, e a outra situação era precariedade em que vivia a sua população. As verminoses, de fácil erradicação, são as mais comuns das doenças, entretanto acompanham o indivíduo desde a primeira infância até a velhice ou morte. Em fins de 1952, Ubatuba é assolada com o agravamento da epidemia de verminose, conhecida popularmente por “amarelão”. Neste intervalo de combate a verminose, que era prioridade, juntamente com as demais vacinas obrigatórias durante o ano, o Posto de Saúde ficava desguarnecido de enfermeiros e a população era obrigada a procurar socorro na única farmácia existente no município, a Farmácia do Filhinho, para fazer curativos e aplicação de injeções. Como a prática de automedicar-se faz parte da nossa cultura e entre um farmacêutico e um médico prefere-se o farmacêutico, mas quando a doença se agrava, só então procuram um médico (mas um dia pode ser tarde demais). Era o que acontecia naquela época e ainda acontece até os dias de hoje. Apesar dos enfermeiros estarem ausentes, a cidade contava com quatro médicos residentes: Posto de Saúde - Dr. Antonio Abdalla; Posto de Puericultura - Dr. Oswaldo Montisanti, Dr. João Francisco dos Santos e Drª Josette Noronha Mellis, todos residentes e domiciliados na cidade. Ancilostomíase é a doença causada por dois tipos de vermes: Ancylostoma duodenale e o Necator americanus. Os sintomas mais característicos desta doença, também chamada popularmente de “amarelão”, a opilação, são vermes que se alimentam de sangue e que se alojam na mucosa intestinal, causando feridinhas e pela constante perda de sangue provocam anemia e palidez. As crianças contaminadas com o “amarelão” eram muito discriminadas na escola e fora dela. A coisa ficava mais feia durante o recreio e na saída das aulas, era uma provocação infernal. Enfraquecidos pela doença, ficavam com as pernas bambas e logo vinham os apelidos: panã-panã, caga em pé, guaru, jaca, bolo-fofo, vela, empalamado, amarelento, cor de peido engarrafado, cor de cuia, pão sovado, enxofre e vai por aí afora. A anemia tem como decorrência imediata a fraqueza e a falta de interesse pelas atividades normais desenvolvidas pelo indivíduo doente. Era um problema comum em zonas rurais principalmente à beira-mar, onde devido aos hábitos dos caiçaras de andarem descalços, conjugado à precariedade das condições sanitárias destas zonas interioranas, tornando-se difícil controlar a disseminação do mal. Não havendo privadas nem esgotos cloacais (fossa - coletor de esgotos), os ovos destes vermes se espalhavam pelo chão. Dos ovos saem larvas, que penetram através da pele dos pés descalços até atingirem a circulação sangüínea chegando ao coração, aonde vão aos pulmões. As larvas podem furar a parede do pulmão indo aos brônquios e bronquíolos, atingem a traquéia, laringe e faringe, irritando a mucosa de revestimento, fazem com que a pessoa realize um movimento de deglutição (engolindo cuspe). As larvas assim engolidas atravessam o esôfago e o estômago, atingindo finalmente o intestino onde se instalam, transformando-se em vermes adultos. Os ovos postos por estes vermes, são eliminados junto com as fezes do indivíduo doente, reiniciando o ciclo e indo infestar novos indivíduos, alastrando esta verminose. As medidas para evitá-la, seriam as construções de instalações sanitárias adequadas, o uso de calçados, embora simples, estas medidas eram de difícil aplicação. Foi, entretanto, descoberto que se administrando aos pacientes de ancilostomíase com óxido de ferro, eles voltavam a adquirir ânimo e vigor. Tal ocorre, porque o ferro é necessário para a síntese da molécula hemoglobina. Embora não se livre dos vermes, o doente é capaz, deste modo, de refazer o sangue perdido com a constante hemorragia, o que o recupera da anemia aguda. A adição de compostos de ferro à alimentação básica do caiçara podia ser considerada como uma boa medida, que, no entanto, não resolveria o problema básico. O poderoso vermífugo contra a verminose chamava-se panvermina, comprimido gelatinoso, cor de café fraco, que se tomava em jejum e só poderia ser ministrado pelos agentes de saúde. E de tão fortes que eram, dependendo do estado de anemia da criança ou do adulto, era contra-indicado, se ingerido poderia levar a óbito, por isso, era distribuído e ministrado exclusivamente pelos agentes de saúde. [Clique aqui para acessar a listagem dos textos (já publicados) da série Construindo o passado IV - Anjos da saúde.]
Nota do Editor: Francisco Velloso Neto, é nativo de Ubatuba. E, seus ancestrais datam desde a fundação da cidade. Publicado no Almanak da Provícia de São Paulo para o ano de 1873. Envie e-mail para thecaliforniakid61@hotmail.com.
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