A liberdade, conforme afirmou Hanna Arendt, é a contradição entre a consciência moral e a experiência cotidiana que temos com o mundo externo. Liberdade esta que restou consagrada de formas distintas no constitucionalismo moderno e, através da qual, se extrai os preceitos necessários para a edificação do Estado Democrático. Na contramão da história, foi promulgada no Brasil a Lei 12.436/2011, cujo objetivo precípuo é o de coibir as empresas e pessoas físicas empregadoras ou tomadoras de serviços de estabelecerem práticas que estimulem o aumento de velocidade dos motociclistas profissionais. Em outras palavras, o legislador brasileiro procurou, mais uma vez, limitar a liberdade comercial através de um instrumento legislativo tão despiciendo quanto inconstitucional. Com o intuito de garantir a segurança dos motociclistas profissionais, o legislador brasileiro violou um princípio basilar do constitucionalismo moderno, qual seja, a liberdade comercial. Adentrando assim em tais relações, o legislativo criou uma lei materialmente inconstitucional, cuja mácula deve ser arguida de forma repressiva pela via difusa. Contudo, não é apenas nesse aspecto que a Lei 12.436/2011 deve ser criticada. O legislador brasileiro abandona temas fundamentais para o desenvolvimento do país para preencher supostas lacunas normativas com uma lei, notadamente, desnecessária. E o referido contexto vêm suscitando diversas dúvidas sobre seus limites e possibilidades. Será o fim do prazo de entrega das pizzarias? Será mesmo que precisamos de uma lei para coibir práticas de incentivo comercial ou basta aplicar de forma efetiva o Código de Trânsito Brasileiro? Faz-se necessário criar novos instrumentos legislativos para limitar cada vez mais a atividade comercial ou devemos apontar, no cotidiano, novas leituras capazes de reconstruir as lei existentes? Acreditar que para cada novo problema precisamos de uma nova legislação é revolver o passado adotando uma postura positivista. Ao contrário, o Direito nasce, na modernidade, como uma comunidade de princípios marcada por um exercício construtivo e interpretativo em uma autopoesis conceitual. Neste novo panorama, o conhecimento não nasce da subordinação da prática à teoria mas, ao revés, emerge na relação desses dois saberes em um processo de simbiose e de constante renovação. Imerso no cenário que se apresenta, o direito é convidado a rever seus conceitos e, assim, abandona a velha subsunção do fato à regra adquirindo uma nova leitura consolidada a partir de uma atitude reconstrutiva da prática jurídica. Um processo que visa revisitar, de forma crítica e situada, o caso concreto revisando velhas estruturas. Com isso, os conceitos deixam de ser estruturas pré-definidas e ganham o status de norma em princípio aplicável. O Direito deve ser visto como um romance em cadeia que reconstrói constantemente suas bases, a partir de uma releitura, crítica e situada, que leva a sério a participação de todos os envolvidos. Exatamente para garantir a segurança dos motociclistas profissionais, não temos que editar novas leis, basta interpretar as que já estão vigentes. Para solucionar a questão em comento, basta aplicar de maneira efetiva o Código de Trânsito Brasileiro, pois tal legislação garante todos os instrumentos necessários para tal finalidade. Por outro lado, devemos ainda apreender que nenhum sistema normativo será eficaz se depender, unicamente, de instrumentos capazes de limitar a atividade humana sem uma necessária reflexão da consciência moral. Nota do Editor: Carolina Junqueira é advogada, mestre em Direito Civil e professora.
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