O surgimento da doença colocou a homossexualidade em evidência e contribuiu tanto para a diminuição do preconceito, quanto para o fortalecimento dos movimentos gays.
Estudo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP concluiu que o aparecimento da Aids fortaleceu a militância gay e diminuiu o preconceito contra homossexuais. Realizada pelo doutorando Ronaldo Trindade, do Departamento de Antropologia, a pesquisa analisou a cena homossexual na cidade de São Paulo após o surgimento da doença, em meados dos anos 80. A década de 80, período de redemocratização do Brasil, foi marcada por grandes mudanças. "Setores oprimidos, como negros, gays, índios, mulheres, ganharam voz dentro da sociedade", conta Trindade. O primeiro movimento de militância homossexual brasileiro, por exemplo, acabara de surgir: o Somos (Grupo de Afirmação Homossexual), fundado em 1978. Os primeiros casos de Aids (denominada inicialmente de "peste gay" pela imprensa e setores conservadores da sociedade) acabaram servindo como estímulo para a organização de grupos GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes) e, bem ou mal, colocaram o movimento em evidência. "A homossexualidade era um grande tabu e a Aids fez com que ela fosse pelo menos discutida", comenta o pesquisador. Exposição A mídia teve um papel importante na disseminação do debate. "O Cazuza, por exemplo, foi um ícone. Mostrar a existência da doença fez com que as pessoas refletissem e se informassem sobre o assunto". A militância percebeu que o poder público e os meios de comunicação poderiam ser aliados na luta pelos direitos dos homossexuais. "Na minha opinião, a visibilidade é o melhor remédio contra o preconceito". Para o pesquisador, isso pode ser percebido pelo aumento de manifestações públicas desde a década de 1980. A Parada Gay de São Paulo (que em poucos anos se tornou a maior do mundo), os "beijaços" e até o caso do adestrador de cães Edson Neris da Silva, morto em 2000 por um grupo de skin heads. "O fato ganhou tanta repercussão na mídia, que os índices de agressões contra homossexuais estão diminuindo visivelmente". Exemplo da maior aceitação da homossexualidade também pode ser conferido na audiência da atual novela da TV Globo, Senhora do Destino. "A TV é um termômetro da sociedade. Hoje a audiência torce pelo casal de lésbicas Eleonora e Jenifer. Há pouco tempo, um outro casal de lésbicas ’foi explodido’ num shopping (referência à novela Torre de Babel, também da Globo, exibida em 1998)". Trindade cita uma série de exemplos da mídia para corroborar sua tese da diminuição do preconceito, tais como o desaparecimento de personagens caricatos como o Capitão Gay, interpretado por Jô Soares e o fato de o programa Fica Comigo Gay, exibido em 2001 na MTV, ter alcançado a segunda maior audiência da emissora naquele ano. Diversidade Na pesquisa, Trindade também fala de outro fenômeno que ele observou em São Paulo: o fato de o crescimento das manifestações GLS ter estimulado novas formas de comportamento sexual. "A visibilidade não só fortaleceu o movimento gay, como também evidenciou diversas identidades sexuais". Ele classifica, por exemplo, um grupo como "modernos". São pessoas que não procuram definir sua sexualidade e transitam pelos mundos hetero e homossexual. "Eles são mais bem aceitos pela sociedade e fortalecem a causa gay, são o ’S’ da sigla".
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