| Arquivo Nenê Velloso |  | | | Profº Dr Samuel Barnsley Pessoa (1898 - 1976). |
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Antes de entrarmos no mérito, veja quem foi o Profº Samuel Barnsley Pessoa. Nascido em São Paulo, filho de médico paraibano e de mãe inglesa, Samuel Pessoa formou-se pela Faculdade de Medicina de São Paulo, em 1921. Desenvolveu longa e rica carreira de professor e investigador, o que permitiu sua caracterização como “o grande mestre da Parasitologia sul-americana”, tendo fornecido importantes subsídios para a ação contra as grandes endemias parasitárias. Como afirmou ao assumir, em 1931, a cadeira de Parasitologia da Faculdade de Medicina, procurou manter-se coerente com o objetivo de “atribuir sempre a maior prioridade aos verdadeiros problemas no sociológicos do homem brasileiro”. Desde cedo, defrontando com a dura realidade social, através de seus trabalhos de campo, transformou-se num ardoroso contestador de um sistema de organização social que permitia a manutenção das condições subumanas em que vivia a grande maioria do povo. Perseguido pelo regime implantado com o golpe militar de 64, foi injustamente acusado de “haver transformado seu Departamento em verdadeira fábrica de subversivos”, e viu extremamente dificultado seu acesso as instituições de pesquisa. Ainda assim manteve sua produtividade até sua morte. Sua escolha como patrono do Centro de Saúde Escola deveu-se, ainda, ao fato de ter sido o primeiro dirigente de uma unidade sanitária - pode-se, mesmo, dizer do primeiro Centro de Saúde Escola do Brasil - ao assumir, em 1923, a função de Médico-Chefe do Posto Experimental da Inspetoria de Profilaxia Geral do Serviço Sanitário de Medicina de São Paulo. (Faculdade de Medicina da USP) O livro “A Farmácia do Filhinho”
Sobre as doze páginas que eu falei na inicial da série “Anjos da saúde”, sobre o livro “A Farmácia do Filhinho”, onde ele relata nas páginas 105 a 111 e, 203 a 207, sobre a saúde e os médicos daquela época. Se o leitor já leu este livro vai entender melhor! E se não leu, vai ler agora o resumo que eu confrontei com o meu relato, para que, os leitores possam entender melhor. Livro “A Farmácia do Filhinho”, página nº 105-106. Seu Filhinho disse: “No período decorrido de 1925 a 1975, tempo em que mourejei nas lides farmacêuticas, intercaladamente passou por aqui um relativo número de médicos”. “Médicos houve que aqui não permaneceram mais do que dois ou três meses, mas, apesar desses de permanência relâmpago, ainda me recordo de alguns outros, mais duradouros, como os que instalaram aqui o primeiro posto, os Drs. José Benedito de Castro Simões e Samuel Bensley Pessoa”. Preste atenção: Estes dois médicos que o seu Filhinho diz terem mantido relações de amizade e terem instalado aqui o primeiro posto... não é bem assim. A bem da verdade, Dr. Benedicto de Castro Simões e o professor Dr. Samuel Barnsley Pessoa, eles não instalaram aqui um posto de saúde, nem vieram para esta finalidade e sim, um laboratório para pesquisa de malária e verminose, instalaram nos fundos do quintal da Santa Casa, porque nesta época, se encontrava fechada. Que não era novidade. Vale lembrar que eles chegaram a Ubatuba em 23 de fevereiro de 1923 e eram médicos pesquisadores e não deveriam ter ficado aqui por mais de trinta dias. Sobre a passagem do médico Dr. Samuel Pessoa por Ubatuba foi publicado uma matéria no jornal A Semana, “O Minarete”, de autoria do Sr. João Luiz Cardoso - ofisboitata@uol.com.br. O outro médico pesquisador, o nome correto, Dr. Benedicto de Castro Simões, que dirigia a Delegacia de Saúde da cidade de Santos, SP, talvez seja esse o motivo de não ter ficado na cidade, permanecendo somente o Dr. Samuel, que para ajudá-lo contratou o caiçara pescador, o Sr. Manoel Severino dos Passos Rosa, na época com 25 anos de idade. Coincidência ou não, em 1923 e 1949, a Santa Casa se encontrava fechada e o provedor era o pai do Seu Filhinho, o Sr. Ernesto Gomes de Oliveira, falecido em 09-03-1967. O médico parasitologista, professor, nome correto, Dr. Samuel Barnsley Pessoa, que nasceu na capital Bandeirante, em 31 de maio de 1898 e faleceu em 03 de setembro de 1976, tinha reconhecimento internacional. Colaborou decisivamente para a fundação de uma importante escola de parasitologia médica do continente sul-americano. É mesmo reconhecido como uma das maiores autoridades na produção de conhecimento sobre os parasitas que atacam as populações do nosso continente, especialmente as que habitam as imensas áreas de pobreza. Agora, preste atenção os senhores leitores: quando o Seu Filhinho disse que manteve cordiais relações de amizade com os dois médicos, eu entendi e talvez os leitores também, que o Seu Filhinho já estivesse com sua farmácia montada em pleno funcionamento. Mas não! Considerando que ele nasceu em 30 de março de 1906, portanto, em fevereiro de 1923, quando chegaram os pesquisadores, Seu Filhinho tinha apenas 17 anos. Depois Seu Filhinho declarou à revista Iperoig nº 2 - janeiro de 1993 - o seguinte: - “Eu vou contar”. Só se podia prestar exame vestibular com 16 anos. Meu pai era irmão do oficial de justiça, Paulino de Carvalho. Ele fez que meu tio me desse uma certidão de 16 anos, embora eu tivesse 14. Eu me diplomei muito criança. E fui “para São Paulo”. Então, nem aqui ele estava nessa época. Por falta de um auxiliar qualificado o pesquisador foi obrigado a pegar a laço um auxiliar qualquer e foi o caiçara pescador Manoel Severino dos Passos. Acredito que ele não estava aqui, porque quem conheceu e conviveu com o farmacêutico, se estivesse, o menino “pobre” que sonhava estudar medicina jamais perderia esta oportunidade em trabalhar com o renomado professor reconhecido internacionalmente. Ou... estava aqui e não teve coragem de enfrentar uma empreitada dessas, de mexer com uma colher de pau 10 penicos com merda pura todos os dias, inclusive aos sábados e domingos, como declarou o auxiliar do professor Samuel Barnsley Pessoa. Veja este breve resumo do relato do auxiliar Sr. Manoel Severino dos Passos Rosa: “Tudo era difícil, era preciso trabalhar 10, 12 horas por dia, também aos sábados e domingos sem parar. Eu e o professor, saímos de manhã, carregando cada um 10 urinóis que deixávamos nas casas dos caboclos, e explicava que tinha de evacuar só no urinol, dois dias seguidos. Depois de dois dias, a gente ia buscar os urinóis cheios de fezes para fazer os exames. Umas medidas redondas com uma tela no fundo, uma colher de pau, cubas de ágata esmaltada de branco e uma pinça. Despejava as fezes nas medidas, punha debaixo da torneira, mexia com colher de pau, as fezes iam se dissolvendo no fundo da peneira ficavam os vermes, que durante a noite ele examinava. Era 100% contaminado, todo mundo tinha verminose. Isso era todo dia. Todos os dias distribuíamos os 10 urinóis e todo dia íamos recolher”. (Texto do Livro Ensaio Médico Sociais, Ed. Hucitec, 1978). Ainda na página nº 105, diz Seu Filhinho: “Mas a maior parte dos facultativos para tal missão designados, aqui pouco parava”. Isso é papo furado. Os médicos que contrariavam a política local eram removidos (A toque de caixa.) Até hoje é assim. Página nº 106 - Nesta página ele cita os médicos amigos e os que ele considerou inimigos. Na minha relação supra dos médicos marquei, em vermelho, os médicos que disse serem seus inimigos e, em azul, os amigos. O relato do Seu Filhinho sobre os médicos deixou muito a desejar: vários nomes de médicos errados, além disso, não há datas, tornando-se sem valor histórico. Na minha pesquisa não encontrei alguns médicos que ele citou, inviabilizando a procura por falta de datas. A minha relação de médicos foi extraída dos atestados de óbitos. Página nº 108 - Nesta página ele joga uns confetes nos médicos: “Theófilo, Miguel, Juscelino, Adolpho, Davidson, Amauri e Francisco”, que não têm nada a ver com o Posto de Saúde, eram médicos da Santa Casa e chegaram aqui durante e depois do prefeito Matarazzo, ainda não tinham amizade com ninguém. Continua Seu Filhinho: “Mas, vieram também aqueles que não se conformavam com a Farmácia do Filhinho: como o Dr. José Carlos de Miranda (o correto é João), Dr. Alencar Abdalla (o correto é Antônio), Marcio de Meira Campos (o correto é Marcial de Moura Campos), Pedro de Mello (o correto é Paulo). “Para ilustrar a assertiva falemos ao menos de um desses, o Dr. José Carlos de Miranda, que veio com exclusiva finalidade política de me combater, de me derrotar, decidido a quebrar a crista do boticário vitorioso”. Antes do Seu Filhinho deixar o cargo de prefeito, o Dr. Miranda conseguiu reabrir o Posto de Saúde em abril de 1938 em caráter definitivo, derrotando e quebrando a crista do boticário vitorioso. Página nº 204-205 - Seu Filhinho relata sobre a primitiva penicilina dissolvida com água destilada, mantida na geladeira, para aplicações fracionadas de três em três horas. “Um dia Mocinha revoltou-se: (mulher dele) - Você não vai mais aplicar injeções durante a noite. À noite, outros as poderão fazer em seu lugar. O Bordini, o Trajano, o Guatura, o Serpa poderão fazer isso. Você não, você não fará mais. Concordei. Meus fregueses foram encontrando outras pessoas para desempenhar tarefa que, aliás, não durou muito. Apareceu logo a Penicilina G. Potássica, de efeito retardado, cujas aplicações eram feitas em média de 24 em 24 horas, durante o dia”. Seu Filhinho só aplicava essas injeções nos seus eleitores de cabresto e mais uma meia dúzia aqui do centro que podiam pagar. Os simpatizantes do farmacêutico Seu Filhinho negam-se a entender que ele era comerciante, tinha uma farmácia, era a única na cidade e não podia dar remédios. O médico do Posto de Saúde receitava a penicilina, quem podia pagar ia comprar na farmácia do Seu filhinho, e ele ia aplicar. Mas como a maioria não podia, sobrava para os supracitados, iam de casa em casa, durante toda a madrugada, sem nada cobrar e nem podiam porque aqui no centro quase todos tinham laços de família. Os que moravam nos bairros eram internados na Santa Casa para o tratamento que dificilmente não passava dos três dias. Seu Filhinho disse: “Mas, nem com isso acabaram-se os importunos em minha casa. Era comum, durante o almoço, chegar até o refeitório um dos empregados, dizendo que alguém, na farmácia, queria falar comigo. Se eu indagava o assunto, o empregado respondia que não sabia. Tal pessoa queria falar diretamente comigo. Levantava-me. O fulano queria saber se podia tomar Biotônico, ou se devia esperar o resguardo dos quarenta dias. E tantas outras bobagens. Mas eles queriam ouvir a resposta de mim, cara-a-cara, de viva voz”. Neste episódio veja a resposta que o empregado trouxe lá do refeitório a este tal fulano que queria falar com o Seu Filhinho de viva voz. - SEU FILHINHO ESTÁ ALMOÇANDO, E QUANDO SEU FILHINHO ESTÁ ALMOÇANDO... TODOS DEVEM ESTAR ALMOÇANDO TAMBÉM. Este fulano saiu da farmácia furioso e foi direto para o centro, na praça Nóbrega (Antiga Praça do Programa) e bradou para os quatro cantos da cidade o que tinha acontecido, o povo na rua ficou indignado. Quem foi o autor dessa frase? Um dos empregados? Um membro da família? Ou do próprio seu Filhinho? A ligação da frase com o relato do seu Filhinho tem tudo a ver. Ele, querendo ser prefeito pelo voto direto, com esta resposta indigesta, seja lá ela de quem foi, partiu lá do refeitório. Politicamente foi um desastre e perante os eleitores de cabresto e os simpatizantes pior ainda. Página nº 205-206-207. Seu Filhinho diz: “Numa madrugada, neste momento o relógio da sala fez soar cinco badaladas. Cinco horas! E lá de fora um freguês gritava: - Seu Filhinho, tô com pressa, vô saí agora mesmo para Picinguaba. A canoa tá na rampa me esperando. Será que sinhô pode me arranjá uma garrafa de água inglesa? Dona Mocinha (mulher), perguntou: - Você vai levantar-se? Vai atendê-los? - Sim - respondi -, mas vou castigá-lo um pouco. Vou fazê-lo esperar algum tempo. Quando na sala o relógio soava seis badaladas, satisfeito com o castigo que impusera ao freguês. Abrindo a porta e chegando no terraço, lá estava no lado de fora junto ao gradil, um caiçara com uma papeleta na mão: - Seu Filhinho, o senhor pode fazer o favor de me arrumar estas injeções? Com a receita nas mãos, um tanto atordoado, vacilante, indaguei: - Mas... e a água inglesa? Para que você quer a água inglesa? - Eu não quero a água inglesa, quero só as injeções para minha mulher que tá pra dá a luz, mas esperando pra aplicar. Quando eu cheguei tava aqui um home que eu não conheço. Como o sinhô tava demorano, ele não quis esperá e foi s’imbora. Eu fiquei porque perciso, né? Essa, a primeira vez que tentei castigar um freguês! A primeira... e a última”. Esta é a verdadeira história do cotidiano da minha cidade, relatada na série “Construindo o passado”, especialmente para “Anjos da saúde”, apesar de que muitas coisas não se podem falar, mas eu acho que este relato é o suficiente para os leitores tirarem suas dúvidas e conclusões. Para mim, o importante não é saber o que os simpatizantes anônimos do farmacêutico pensam de mim e sim o que eu sei quem eles são. “Tenho o prazer em ser vencido quando quem me vence é a razão seja quem for o seu procurador” (Fernando Pessoa). Inspirado em frases do célebre Bob Marley, aprendi a me preocupar mais com minha consciência do que com minha reputação. Porque consciência é o que somos e reputação é o que os outros querem pensar da gente. Tenho consciência tranqüila de que faço as coisas com o coração, que sou justo, que sou guerreiro, que amo intensamente. Que vôo alto e chego longe, mas pelos meus méritos, sem pisar ou passar a perna em ninguém! O que me credencia a dizer que tenho uma boa reputação. Pessoas do mal não me verão assim. Sinto muito, mas, honestamente, isso é problema delas. Não vivo pra agradar quem pouca ou duvidosa índole tem. Quero orgulhar meus filhos, meus parentes e meus amigos - os de verdade! E é nisso que me foco. Ubatuba, 24 anos de ditadura cultural e, eu não vejo perspectivas para mudanças. A série “Construindo o passado” se encerra aqui, mas, as investigações e pesquisas continuam, e poderá voltar a qualquer momento. “Apenas a verdade ofende” - ditado francês. Um abraço. Até a próxima.
Nota do Editor: Francisco Velloso Neto, é nativo de Ubatuba. E, seus ancestrais datam desde a fundação da cidade. Publicado no Almanak da Provícia de São Paulo para o ano de 1873. Envie e-mail para thecaliforniakid61@hotmail.com.
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