O antropólogo Vagner Gonçalves da Silva percorreu os terreiros do Brasil em busca de informações para reconstituir a história das principais religiões afro-brasileiras. "Candomblé e Umbanda", editado pela Selo Negro Edições, mostra como as práticas religiosas, nascidas no período colonial, têm estreita relação com a história do país. Com milhares de adeptos, o candomblé e a umbanda são ainda religiões mal compreendidas, frutos do desconhecimento e do preconceito. O antropólogo Vagner Gonçalves da Silva partiu desse diagnóstico para mergulhar em registros e percorrer terreiros pelo país, entrevistando pais e mães-de-santo. Em "Candomblé e Umbanda - Caminhos da Devoção Brasileira", relançado pela Selo Negro Edições, o autor faz uma reconstituição histórica da formação dessas religiões. Nesse caminho, descobriu que esse processo guarda profunda ligação com a história do Brasil e a maneira como o brasileiro se relaciona com a fé. "As condições históricas no período colonial determinaram as principais características das religiões afro-brasileiras. As várias nações africanas que aqui se juntaram reelaboram suas crenças em diálogo com o cristianismo ibérico e a cultura indígena. Esse encontro religioso permitiu a sobrevivência dessas religiões até hoje", afirma Silva. Apesar de ambas terem se constituído pelo contexto das relações sociais, políticas e econômicas da época, essas religiões se desenvolveram de forma diferente. O candomblé nasceu da necessidade dos grupos negros de recriar a identidade social e religiosa para enfrentar as condições adversas da escravidão e, posteriormente, o desamparo social. Daí a organização dos terreiros enfatizarem a "reinvenção" da África no Brasil. Ao longo dos séculos, o interesse de pesquisadores, intelectuais e artistas pelo candomblé fez com que um número crescente de brancos passasse a vê-lo com maior tolerância. Foi através da mediação das elites que aconteceu a aproximação e inserção das classes médias. A partir da década de 1960, a Bahia entrou na moda dos grandes centros urbanos do Sudeste e seus artistas (na maioria ligados ao candomblé, como Jorge Amado, Caribé, Dorival Caymmi, Caetano Veloso e Maria Bethânia, entre outros) difundiram a religião. Na umbanda, aconteceu o mesmo processo de popularização, enfatizado nas músicas de cantores como Clara Nunes e Martinho da Vila. O desenvolvimento da umbanda, entretanto, foi marcado pela busca, iniciada por segmentos brancos da classe média urbana, de um modelo de religião que pudesse integrar legitimamente as contribuições dos grupos que compõem a sociedade nacional. Por isso, a umbanda apresenta-se como uma religião genuinamente nacional, à moda brasileira, pois permitiu a integração de todas as categorias sociais, principalmente as marginalizadas. Tanto o candomblé quanto a umbanda têm seus princípios e práticas doutrinárias estabelecidas e transmitidas oralmente. A história dessas religiões tem sido feita, portanto, quase que anonimamente. Os poucos documentos e registros históricos foram produzidos pelos órgãos ou instituições que combateram os cultos, como os autos da Visitação do Santo Ofício da Inquisição, nos quais foram registrados os processos de julgamento de adeptos dos cultos afro-brasileiros. "O que permitiu a reconstituição da história foi o cruzamento dos registros oficiais com as entrevistas. Felizmente, a partir do século XX, muitos pesquisadores passaram a produzir estatísticas mais neutras, sem envolvimento com a repressão", destaca o autor. Freqüentemente associada à magia negra, por serem religiões de transe, de sacrifício animal e de culto aos espíritos, o candomblé e a umbanda eram descritos por estudiosos como formas "primitivas" ou "atrasadas" de cultos. "Não há nada de demoníaco nas religiões afro-brasileiras. O que existe é a convivência de matrizes religiosas, fruto da experiência multifacetada que o país viveu. Conhecer a história do candomblé e da umbanda, é conhecer o Brasil e os caminhos através dos quais a devoção brasileira fez peregrinação", diz Silva. O autor Bacharel em Ciências Sociais e doutor em Antropologia pela Universidade de São Paulo, Vagner Gonçalves da Silva é atualmente professor do Departamento de Antropologia da USP. Pesquisador da cultura afro-brasileira, desenvolveu, entre outros estudos, pesquisas sobre a formação do candomblé em São Paulo e sobre as religiões afro-brasileiras. É autor de mais dois livros sobre este tema: "Orixás da Metrópole" (Vozes) e "O antropólogo e sua magia" (EDUSP). Atualmente coordena uma ampla investigação sobre a presença desta religiosidade em alguns campos da cultura nacional, como na capoeira, música popular, escolas de samba, literatura, cinema etc. Também é coordenador da coleção "Memória afro-brasileira" (Selo Negro Edições), na qual são valorizadas as histórias de vida de personalidades representativas do universo cultural dos afro-brasileiros. É vice coordenador do Núcleo de Antropologia Urbana (NAU) da USP. Livro: Candomblé e Umbanda - Caminhos da Devoção Brasileira Autor: Vagner Gonçalves da Silva Editora: Selo Negro Edições Preço: R$ 22,00 Número de páginas: 152 Atendimento ao Consumidor: (0**11) 3865-9890
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