Obrigação com prazo determinado
Em um retrospecto jurídico-social constata-se que a mulher do século XXI deixou de ser mera coadjuvante para assumir definitivamente seu papel de partícipe nas relações familiares. Contudo, essa emancipação não se deu de forma repentina. Ao contrário: emoldurou-se paulatinamente, rompendo, lentamente, com o nítido viés patriarcal infundido pelo Código Civil de 1916 – de caráter discriminatório e preconceituoso. No entanto, o início desta emancipação se deu com a entrada em vigor do Estatuto da Mulher Casada, em 1962. Em seguida, num novo passo de independência, com a Lei do Divórcio, em 1977. Conquanto, somente após a promulgação da Carta Magna de 1988 - especialmente ante a principiologia constitucional da igualdade entre homem e mulher - que definitivamente se desatou do paradigma da subordinação, da dependência, da submissão, equiparando-se com o sexo oposto em direitos e obrigações. Com o advento do Novo Código Civil de 2002, deu-se novos contornos à constituição das unidades familiares, com a participação ativa da mulher, cada vez mais inserida no mercado de trabalho. Esta independência feminina - especialmente econômico-financeira -, lhe trouxe novos desafios, passando, desde então, a ser responsável por suas escolhas profissionais, pessoais e familiares. Nesta toada, então, como consequência da liberdade que ora desfruta, a ruptura das relações conjugais também estão sob seu domínio, podendo decidir, a qualquer momento, pela continuidade ou extinção de seus relacionamentos. Conquanto, optando pelo desfazimento da sociedade conjugal, tendo em vista, agora, sua autodeterminação, o direito a que lhe seja prestado alimentos deve ser visto com foco nos novos protótipos advindos das conquistas já observadas. Assim, nos termos do art. 1.694 do Código Civil, o qual estabelece o dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges, os alimentos se prestam tão somente para a manutenção daquele desprovido de capacidade para alcançar seu próprio sustento. E mais: esta prestação alimentar não é por toda a vida, mas sim por um prazo razoável e determinado, durante o tempo suficiente para que se insira no mercado de trabalho, passando então, a suprir suas necessidades por sua própria conta, haja vista que os alimentos não podem se confundir com uma apólice de seguros capaz de petrificar o status vivenciado durante a constância do matrimônio, extinto pelo divórcio. Pensar em sentido contrário corrobora para uma injustificada super proteção à mulher, que estatisticamente são as mais beneficiadas com o pagamento de alimentos e não raro quedam-se inertes, acomodando-se na busca de inserção no mercado de trabalho. Por esta razão o STJ optou, como regra, pela temporariedade da fixação de alimentos entre ex-cônjuges, sempre analisando circunstâncias fáticas específicas. Segundo o ministro Marco Buzzi, da 4ª Turma do STJ, “atualmente, não mais se justifica impor a uma das partes integrantes da comunhão desfeita a obrigação de sustentar a outra, de modo vitalício, quando aquela reúne condições para prover a sua própria manutenção.” Extrai-se, então, que apenas em casos extremos, como a incapacidade absoluta para o trabalho ou idade avançada da alimentanda admitem a perpetuação da prestação alimentar, pelo princípio da solidariedade humana. Certo, portanto, diante das inúmeras conquistas alcançadas pelas mulheres no decorrer do último século - que perpetraram na sua emancipação – que não há hodiernamente justificativa para se manter certos ranços inerente às codificações anteriores, que continham viés protecionista na questão referente aos alimentos à ex-cônjuge. Os tempos são outros. Hoje, encontram-se mulheres inseridas nos mais diversos segmentos de trabalho, atuando com grande competência e sabedoria, conscientes de que podem viver na sua plenitude a independência arduamente conquistada. Nota do Editor: Giovana Wagner é advogada de Família em Curitiba, PR.
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