É muito comum ouvirmos falar sobre os jovens que ingressaram na faculdade. É fácil reconhecê-los, exibindo suas cabeças raspadas, ou os rostos pintados de alegria e orgulho pela aprovação. Os pais, envaidecidos, contam pra Deus e o mundo sobre o sucesso do filho. É claro que também estão com o coração apertado, afinal seu filho está dando o passo mais próximo do que será, um dia, a sua saída final para o mundo do trabalho. Mas, como isso é doído de pensar, deixam pra lá e dão mais espaço para a alegria, as comemorações e os planos. Sobre a alegria é mais fácil falar e sentir. E sobre os que foram reprovados? Vamos falar, então, sobre isso. Bom, penso que aqui vale todo tipo de sentimento. Tem lugar para a raiva, a tristeza, a inveja. Há vagas também para o medo, a culpa e até para o alívio. A constatação da reprovação exige um processo de luto. E não me refiro apenas ao trabalho de aceitar e enterrar os falecidos 12 meses de estudos usados para estudar toda aquela montanha de informações. Tem-se que fazer, também, o luto pelas baladas que não foram curtidas, pelas viagens não feitas, pelos namorados e namoradas não experimentados, enfim por tudo que foi sacrificado em nome do objetivo de passar no vestibular. Esse ano preparatório é um ano difícil, vivido sob pressões que vem de todos os lados. Os amigos estão se virando, buscando seus caminhos, então o jovem não quer ficar para trás. A escola também exerce sua pressão à medida que deseja que seu aluno seja aprovado. E os pais, ou a família, enfim, colaboram mais um pouco para essa tensão porque querem ganhar tempo, temendo que seu filho bobeie nessa corrida para o mercado de trabalho. O argumento para isso é o de que se gasta muito dinheiro com esses preparativos, argumento razoável para os dias de hoje. Porém, num olhar mais profundo, esse é um momento muito importante na ilusão própria dos pais de realizarem seus mais íntimos desejos pessoais através do filho. Para esses pais, essa é a chance de repararem ou compensarem os fracassos e desilusões que sofreram na juventude. E o jovem está no meio disso tudo, também com seus anseios, dúvidas, medos e inseguranças. Por isso comentei, ainda há pouco, que um dos sentimentos que se não estiver muito espremido será experimentado, com a reprovação, é o alívio. Não passando nos exames, o adolescente terá mais um tempo para pensar e amadurecer suas idéias a respeito de sua vida. O luto, então, culmina com a aceitação da situação, depois de reconhecidos os sentimentos que estavam ocultos ou declarados em relação a isso. Um último aspecto ainda é o da grande capacidade que o ser humano possui para recomeçar, recompor-se, adaptar-se. Podemos presenciar isso quando acompanhamos as notícias sobre catástrofes, tragédias, onde as pessoas, passado o impacto maior, começam a reconstruir e a cuidar das mazelas ocorridas. Se a reprovação estiver equiparada, para alguém, a um terremoto, a um desmoronamento de sonhos, o jovem, feito o seu processo de luto, tem que sair dos escombros, levantar os pilares, recolher seus cacos e recomeçar. Afinal, é o triunfo do impulso de vida sobre o de morte. E esse é mais um ciclo que se fecha e que se abre, ao mesmo tempo, para um próximo. Não existe vida sem morte e, da mesma maneira, não existe vida sem ganhos e perdas. Toda experiência poderá ser muito interessante se for possível extrair dela algum aprendizado. Se não houve aprendizado, não houve a experiência e isso quer dizer que saímos vazios da situação. Nota do Editor: Elide Camargo Camargo Signorelli, psicóloga com formação psicanalítica pelo Centro de Psicanálise de Campinas, e especialização em adolescência pelo Departamento de Psiquiatria da F. C. M. da Unicamp.
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