Uma das características mais marcantes do pensamento religioso humano é a distinção entre o sagrado e o profano. O homem, quer assuma a identidade de religioso ou não, sempre classificará lugares, pessoas, dias e eventos como sagrados ou profanos. Assim, apesar da grande variedade de religiões existentes em nosso país, o brasileiro sempre distingue na data do natal um período significativo, mesmo que totalmente desconectado do seu sentido cristão. Devemos lembrar que existe uma grande diferença entre o que as religiões oficiais pregam e exigem de seus seguidores e o que realmente acontece no universo dos fiéis. Sendo o Brasil um país de características mestiças e sincréticas, o Natal para a grande maioria dos brasileiros é uma ocasião de festa e confraternização, com direito a ceia, bebidas e trocas de presentes, com a figura do aniversariante muitas vezes relegada a segundo plano e até mesmo substituída pelo velho Papai Noel. Mas, apesar da aparente secularização da festa, ela continua a manter seu caráter sagrado por ser uma quebra na homogeneidade do cotidiano do homem moderno. Ninguém escapa da “magia” ou do “maravilhoso” do Natal. Retrospectiva do Natal e o universo dos fiéis O final de dezembro já era considerado, há cerca de 4 mil anos, como uma data sagrada por ser a despedida do inverno e a aclamação ao Sol. Na mesma época, os romanos comemoravam a Saturnália, em honra ao deus Saturno, que celebrava o fim do ano agrário e religioso e o início de um novo ano em que se esperava abundância de colheitas. Durante as festividades, as classes sociais se dissolviam e praticava-se a troca de presentes e a visita aos amigos. Em 350 d.C., o Papa Júlio I determinou o dia 25 de dezembro como sendo a data do natalício de Jesus Cristo, o que causou uma espécie de sincretismo com a Saturnália, mantendo alguns dos costumes já praticados. O fato é que desde então a data passou a ser uma referência no calendário ocidental. E, pela sua proximidade com a data do ano-novo, sagrada para todos os povos, passa a possuir uma conotação diferenciada, mesmo para as religiões não cristãs. De todas as religiões brasileiras, destacamos como algumas se comportam perante o Natal. Para o cristianismo em geral, católicos e protestantes, a data traz a memória o nascimento do Salvador, do Messias vindo ao mundo para resgatar a humanidade de seus pecados. É uma época muito comemorada com novenas e missa especial pelos católicos e com cultos especiais, corais e peças teatrais pelos protestantes. Os espíritas, por sua grande proximidade aos cristãos, também comemoram a data com reuniões especiais e com a prática da caridade. A umbanda, religião que absorveu parte dos costumes e crenças católicos, associa Jesus ao orixá Oxalá, entidade que comanda as forças da natureza. Celebram-se reuniões voltadas a este orixá, com todas as práticas a ele associadas. Já no candomblé, proíbe-se os fiéis de participar dos festejos cristãos relativos ao Natal, porém, como para os iorubás a família e a descendência são muito valorizados, aproveita-se a época para reuniões familiares, troca de presentes e confraternização. Para o islamismo, Jesus é um profeta, apesar de crerem em seu nascimento virginal e na realização de milagres durante sua vida. Consideram a comemoração do natal haram (pecado). Dentre todos os profetas muçulmanos, só comemoram o nascimento de Mohamed. O judaísmo, por não considerar Jesus o Messias de Deus, não comemora o seu nascimento. Porém, na mesma época celebram o Hanuká, a Festa da Luzes, que relembra a reinauguração e purificação do Templo de Jerusalém. Embora o Natal e a passagem de ano não tenham significado especial para os budistas, nada os impede de desejarem paz e boas festas. Os membros da comunidade budista reúnem-se e festejam convivendo e comendo doces e libertando animais vivos. As primeiras horas do novo ano da comunidade budista são dedicados à meditação e à oração pois a moderação e a libertação do sofrimento são pilares fundamentais para budismo. Já no hinduísmo, apesar de ser também uma religião oriental, o Natal é festejado. Jesus é reconhecido como um avatar, encarnação de Vishnu. Celebram o natal com presépio, troca de presentes e canções. Alguns dias depois realizam o Divali, a Festa das Luzes, onde se comemora o nascimento da luz que venceu a escuridão. Com a casa enfeitada com luzes, fazem desenhos com areia colorida na entrada da casa e trocam presentes. Uma curiosidade é o fato dos Testemunhas de Jeová, apesar de reconhecerem Jesus como Filho de Deus e Messias, não celebrarem o natal. Isto ocorre porque para eles as comemorações de aniversário são um costume pagão e assim sendo não devem ser comemoradas. Nota do Editor: Lídice Meyer Pinto Ribeiro é doutora em Antropologia Social, pós-doutoranda em Antropologia Histórica e coordenadora de pós graduação lato sensu e docente na pós graduação strito sensu em Ciências da Religião do Centro de Educação, Filosofia e Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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