A decisão da Espanha de perdoar 60 milhões de euros da dívida externa argentina para que esse montante seja investido em educação, anunciada em janeiro, é um exemplo de cooperação e solidariedade internacional que deveria ser seguido por países credores e devedores de todo o mundo. Trata-se de uma iniciativa que coloca a questão da redução da dívida externa dos países em desenvolvimento em uma estratégia mais ampla voltada para a promoção da educação e o combate à pobreza em todo o planeta. Traz à tona a esperança de que os países latino-americanos consigam sucesso na articulação de uma política global de apoio às nações endividadas, que os ajude a mudar sua realidade educacional, por meio de investimentos prioritários em educação básica, e a promover seu desenvolvimento social. A ofensiva política em favor da conversão da dívida em investimentos em educação, iniciada em 2003 em fóruns internacionais como a Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e o encontro ministerial da Organização dos Estados Americanos (OEA), e em reuniões no âmbito do Mercosul - tendo à frente das discussões o ministro da Educação do Brasil, Tarso Genro, seu antecessor, Cristovam Buarque, e o ministro da Educação, Ciência e Tecnologia argentino, Daniel Filmus -, ganhou força com a decisão do governo espanhol. É preciso agora que os ministros de Educação e Finanças do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Chile, que estão construindo uma proposta conjunta, envidem todos os esforços políticos por uma profunda negociação internacional com países credores e instituições financeiras multilaterais tais como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Transformar a idéia da conversão da dívida em uma ação prática que beneficie os parceiros do Mercosul requer a firme decisão de cada um dos países de tratar o assunto como uma prioridade nacional e como uma política global de elevado alcance social. Negociação semelhante já foi feita com sucesso, no passado recente, por países como Costa Rica, Bolívia, Equador, Guatemala e México, que conseguiram a conversão de parte de suas dívidas em investimentos na conservação ambiental. Os países em desenvolvimento enfrentam uma situação muito difícil no que diz respeito ao endividamento interno e externo, o que, aliado à necessidade de fortes ajustes fiscais, vem colocando-os em um estado de escassez de recursos públicos para investimentos em políticas sociais. De acordo com o World Development Indicators 2004, do Banco Mundial, a América Latina tinha, em 2002, uma dívida externa de US$ 728 bilhões - um aumento de cerca de 63% se comparado com 1990. Grande parte dos países da região, como Argentina, Brasil, Uruguai, Equador e Peru, são classificados como países severamente endividados. No caso de Argentina e Brasil, as dívidas correspondem, respectivamente, a 393% e 342% do total de suas exportações. O reconhecimento da insustentabilidade da dívida dos países em desenvolvimento já foi feito pelas instituições de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial), ao lançarem uma iniciativa para a redução do endividamento dos países pobres (HIPC). A necessidade de investimentos em educação e o seu comprovado retorno social e econômico também já foram reconhecidos pela comunidade internacional e pelas instituições financiadoras. No Fórum Mundial de Educação (Dacar), em 2000, os Estados participantes afirmaram que "não faltarão recursos para a Educação". O Banco Mundial criou o Education for All: fast-track initiative para promover a universalização da educação básica por meio do fortalecimento de políticas nacionais e incremento do financiamento externo. Entretanto, o que se viu nos últimos anos foi uma queda relevante no total da ajuda oficial ao desenvolvimento voltada à educação. Os anos de 2000 e 2001 registraram o menor volume de ajuda bilateral à educação (abaixo de US$ 8 bilhões por ano). E isso ocorreu após a aprovação de documentos centrais à cooperação internacional no novo século, como a Declaração do Milênio, estabelecendo os Oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, e o Consenso de Monterrey. Há, portanto, um claro distanciamento entre compromissos assumidos e ações práticas para possibilitar seu alcance. É urgente que se reveja a questão do pagamento da dívida externa e dos investimentos em educação nos países em desenvolvimento, pois a cada dia torna-se mais visível a necessidade de geração de conhecimento para se alcançar o desenvolvimento sustentável. O fator diferencial dos países que mais avançaram nas últimas décadas foi justamente a atenção dada à educação, que não pode ser mais considerada somente importante mas sim prioritária. A construção de um mundo mais justo e pacífico passa necessariamente pela igualdade de oportunidades de desenvolvimento entre nações ricas e países menos desenvolvidos. Nota do Editor: Jorge Werthein é Doutor em Educação pela Universidade de Stanford (EUA) e representante da Unesco no Brasil.
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