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Comportamento
16/04/2014 - 10h00
Antropofagia
Breno Rosostolato
 
O canibalismo sob a luz da psicologia

De tempos em tempos é noticiado na mídia casos de canibalismo, o que demonstra que este fenômeno é mais comum do que imaginamos. Sabe–se o que é o canibalismo, o ato de comer, se alimentar parte ou até mesmo todo o corpo de um indivíduo da mesma espécie. Mas pouco se sabe sobre o significado e as implicações psicológicas para que uma pessoa tenha tal comportamento. O canibalismo foi retratado nas telas do cinema através do personagem Hannibal Lecter, célebre personagem de ficção elaborada pelo escritor Thomas Harris e interpretado pelo ator Anthony Hopkins.

No Brasil em 2012 foi noticiado o caso de Jorge Beltrão Nascimento, 52 anos, pernambucano que confessou ter matado, esquartejado e comido algumas mulheres em Garanhuns. Teve ainda a ajuda de Isabel Cristina Pires da Silveira, 52 anos, e Bruna Cristina de Oliveira da Silva, 23 anos. O trio atraía mulheres para a casa deles e depois de algum tempo e conquistar a confiança delas, matavam–nas. Num discurso desconexo e fantasioso, o assassino dizia que as vítimas eram escolhidas por arcanjos e querubins e que tudo fazia parte de um ritual macabro definida por ele como “completa purificação”, fazendo clara menção às motivações de crendices e questões místicas. O teor mórbido, além do próprio ato de canibalismo, foi rechear empadas com carne humana e as vendia nas ruas da cidade. O trio assassinou pelo menos três mulheres e o caso ficou conhecido como “os canibais de Garanhuns”.

Outro caso de canibalismo e com requintes sádicos foi o do alemão Armin Meiwes, 44 anos, conhecido como o “canibal de Rotemburgo”. Meiwes usava a internet para buscar suas vítimas e foi num anúncio pela rede, em que dizia procurar alguém que, voluntariamente, estaria disposto a ser devorado, foi que recebeu a resposta positiva de Bernd Jurgen Armando Brandes. Bernd aceitou ser cortado e depois morto. A primeira parte a ser cortada foi o pênis. O órgão foi comido por Bernd e Armin. Bernd queria que Armin arrancasse seu pênis a dentada, mas Armin preferiu tirar o órgão usando uma faca. Bernd perdeu a consciência e então Armin o esfaqueou no pescoço e pendurou o corpo num gancho de açougueiro e então começou a cortá–lo.

Esta prática é muito antiga e com motivações diversas. Existem inúmeros relatos sobre atos de canibalismo, desde a pré–história até os dias de hoje. Para se ter ideia, sabe–se que os astecas e tribos africanas eram adeptos do canibalismo. No continente americano, tribos canibais eram vistas pelos colonizadores como atos de selvageria. No Brasil os índios Pacura, da Amazônia, engordam seus prisioneiros para que a carne fosse bem mais palatável. A cada cultura este comportamento possui propósitos próprios e peculiaridades.

Foi o historiador e cronista grego Heródoto, do século V a.C, o primeiro a classificar o fenômeno do canibalismo e cunhou a palavra “antropofagia” que significa “antropos” (homem) e “phagein” (comer). O termo canibal apareceu no século XVI, quando a esquadra de Cristóvão Colombo passou nas ilhas pequenas, o Caribe. Os índios que habitavam essas ilhas tinham o hábito de comer carne humana em rituais religiosos e se designavam “cariba” que significava bravo, “corajoso”. Um erro de pronúncia dos europeus criou a palavra “caniba”, que rapidamente passou a descrever toda e qualquer cultura, invariavelmente inferior, que consumisse indivíduos da mesma espécie.

Um tipo de canibalismo é o famélico, caracterizado pela extrema escassez de alimentos, assim como retratado no filme “Vivos”. A queda de um avião na Cordilheira dos Andes, em 1972, expôs o drama dos sobreviventes que, para não morrer de fome, se alimentaram da carne das vítimas do acidente.

Para algumas civilizações como os tupinambás e celtas, o consumo da carne de seus inimigos era importante, pois, a ingestão de partes do corpo de um oponente poderia oferecer a habilidade, força, integridade e inteligência do mesmo. Suas qualidades e atributos eram, portanto, incorporados e acreditavam que esta seria uma ótima estratégia para as outras batalhas. Para os chineses da época da dinastia Chou (1122 a.C. – 255 a.C), os corpos dos mortos eram apresentados como um banquete para comemorar a vitória da batalha e a conquista. Existem, também, questões religiosas implicadas ao canibalismo como no caso das tribos ianomâmis, na Amazônia, que usam cinzas de cadáveres em pastas de bananas como forma de entrar em contato com as almas dos que já partiram. Exemplos do canibalismo ritualístico. Mas como explicar a manifestação de comportamentos antropofágicos?

O psicanalista Sigmund Freud para explicar o desenvolvimento do indivíduo criou a teoria das fases da sexualidade infantil. Ele identificou cinco fases distintas deste desenvolvimento psicossexual: Oral, Anal, Fálica, Latência e Genital. A primeira fase, relacionada à oralidade, recebe esse nome porque a maior parte das necessidades e interesses da criança está concentrada na região da boca, esôfago e estômago, ou seja, a libido está associada ao processo de alimentação. Entende–se por alimentação não apenas o alimento necessário para saciar a fome, mas também o carinho, o afeto e o aconchego que a mãe oferece ao bebê. O simbolismo desta fase está associado com a incorporação do outro em si. Uma maneira de a criança introduzir e, fantasiosamente, possuir a mãe. É através desta simbiose que a identificação da criança com aspectos do outro ocorre. Karl Abraham (1877–1925), discípulo de Freud denominou esta fase como “canibalesca”.

Para a psicanalista Melanie Klein (1882–1960), todas as pessoas possuem impulsos destrutivos no começo da vida. A expressão “sádico–oral”, que aparece na teoria kleiniana, está relacionada ao prazer da sucção, que normalmente é sucedida pelo ato de morder. Se a criança não obtiver gratificação ao sugar, tentará morder para satisfazer–se. O seio é confundido com a imagem da mãe e desperta na criança, de acordo com Klein, sentimentos ambíguos. Por um lado o amor em ser alimentada e por outro o ódio e a inveja da mãe quando esta guarda o seio e interrompe a amamentação. Com o amadurecimento psíquico, estes sentimentos vão se organizando, pois a criança os elabora e substitui pelo movimento de reparação e sublimação.

Esta agressividade e raiva destacada na teoria de Klein são a base da violência do canibalismo com propriedades sexuais, em que o sadismo é um elemento perverso. Esta característica sádico–perversa seria um conflito vivido pela criança no processo de individuação, ou seja, é no fato de se desprender do corpo da mãe que a criança a elegeria como uma mãe má. Na dinâmica do canibalismo o ato de comer o corpo do outro seria uma forma de acabar com o mal e ao mesmo tempo atenuar este conflito da separação. Esta é simbologia relacionada ao canibalismo de teor sexual. Curiosamente, muitas vezes morder, chupar e beijar faz parte do repertório de comportamentos afetivos e sexuais. Expressões do tipo “como você é gostoso” ou “vou te comer” se remetem, portanto, a um desejo de introduzir o outro para si. Armin Weives, o “canibal de Rotemburgo” declarou que seu ato tinha sido “como um casamento, algo que o alçou a uma condição sobrenatural. Eu tinha a esperança de que ele se tornasse parte de mim”. Enquanto o matava e o esquartejava, desfrutou um estado eufórico que combinava ódio e alegria.

Para o canibalismo não existe na legislação lei específica que caracteriza como crime. Não existe uma tipificação para tal ato. A complicação jurídica começa pelo simples fato de que o canibalismo não é tão comum. O que acontece é que este comportamento é enquadro em outros crimes como homicídio ou destruição de cadáver. Outra questão é que o canibalismo foge dos preceitos morais e éticos que muitas vezes, a defesa do indivíduo que comeu carne humana alega insanidade mental, ou seja, não possuía o desenvolvimento mental mínimo necessário para tornar seu ato punível penalmente, ou que culturalmente a pessoa não está, culturalmente, integrada à nossa sociedade.


Nota do Editor: Breno Rosostolato é psicólogo e professor da Faculdade Santa Marcelina – FASM.

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