O quadro político atual, marcado por uma avalanche de denúncias de casos de corrupção, é muito grave e está afetando não só o governo Lula mas também enfraquecendo o Estado de Direito, com um aumento generalizado da desconfiança da população em relação à classe política. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem que mudar profundamente os rumos do seu governo e só ele pode fazê-lo, pois tem autoridade moral para isso e, até agora, está relativamente descolado do desgaste político que atinge seu governo. A avaliação é do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, que, em entrevista à Agência Carta Maior, analisa o atual momento político e os possíveis desdobramentos da crise instalada no governo. Para Busato, Lula deveria fazer uma profunda reflexão sobre o atual rumo das coisas e lembrar as razões pelas quais foi eleito com o voto de milhões de brasileiros. Nos últimos dias, Busato tem feito várias declarações alertando sobre a gravidade do momento político atual. Apesar de afastar a possibilidade de uma crise institucional, ele adverte sobre as conseqüências para o sistema democrático brasileiro. Ao participar dia 27, de uma reunião do Colégio de Presidentes de Subseções da OAB de Santa Catarina, em Florianópolis, defendeu a necessidade de uma reforma política em profundidade, "precedida de ampla faxina moral nas suas instituições, ou o desgaste destas levará ao ceticismo quanto à eficácia da própria democracia". O que não pode continuar, acrescentou, é o "atual sistema político disfuncional e indutor da corrupção. "Cada governante, não importa as boas intenções com que chega ao poder, torna-se rapidamente preso e refém da necessidade de construir maioria parlamentar. Nesse sistema, cada votação é precedida de negociações em busca de apoio, onde a moeda de troca são os cargos da administração pública, exposta à sanha dos abutres do dinheiro público", criticou. P- Qual a sua avaliação sobre o atual momento político que o país vive? R- Acredito que o quadro é muito preocupante. Essa avalanche de denúncias de casos de corrupção está afetando não apenas as condições de governabilidade, mas também enfraquecendo o Estado de Direito, em função do aumento generalizado da desconfiança da população em relação à classe política como um todo. A corrupção é um problema endêmico que vem de longa data, um problema que não vem sendo combatido com eficácia e vem sendo varrido para debaixo do tapete ao longo de nossa história. O governo federal não executa um trabalho preventivo contra esse problema, promovendo, por exemplo, uma seleção mais rigorosa de quem vai trabalhar na administração pública. O caso do ministro Romero Jucá é exemplar neste sentido. Também não há uma escolha séria sobre os candidatos a ocupar cargos de confiança e sobre o funcionalismo público de um modo geral, vide o recente causo de fraude em concursos públicos. Tampouco há um processo de qualificação e reciclagem dos servidores que continuam trabalhando em uma estrutura cheia de vícios. P- Diante desse cenário, o sr. vê uma ameaça de risco institucional, como vem apregoando algumas vozes? R- Acho que há um pouco de exagero nisso. Hoje, no mundo político e econômico globalizado, não há muito espaço para essas rupturas institucionais. A situação está mais estável no mundo inteiro. O que está ocorrendo hoje é grave, mas não se trata de quebra da ordem institucional. Agora, os atuais governantes precisam ficar atentos, pois o povo brasileiro vem aprendendo com as últimas experiências e sabe dar as respostas nas urnas. A maioria da população brasileira votou em Lula desejando mudanças e está decepcionada. As cenas que estamos vendo nos últimos dias são um mau exemplo para o povo, que está enxergando isso também. A sociedade assiste com perplexidade o recorrente argumento federal de que a instalação de uma CPI para investigar denúncia de roubo do dinheiro público conspira contra a economia e a governabilidade. O que conspira contra ambas é a institucionalização da rapina como prática política. P- O que a Ordem dos Advogados do Brasil vem fazendo, ou pensa fazer, para ajudar no combate à corrupção? R- Em novembro de 2004, a OAB lançou a Campanha Nacional em Defesa da República e da Democracia. Pretendemos revigorar essa campanha, acreditando que o Brasil precisa de uma participação popular mais ativa. Os nossos representantes políticos estão propiciando péssimos exemplos que só comprometem a própria imagem da representação. Acredito que precisamos incentivar iniciativas como plebiscitos, referendos e consultas populares como forma de qualificar e fortalecer nossa democracia. A recente mobilização da sociedade contra a Medida Provisória 232 é um exemplo do que pode ser feito. É importante que se tratava de um tema de direito tributário, uma matéria inóspita para a imensa maioria da população. Mesmo assim, houve uma grande mobilização que obrigou o governo a mudar de posição sobre o tema. Não podemos mais nos conformar com uma cidadania passiva, esperando que os representantes do povo façam alguma coisa. Eles não estão fazendo. P- Na sua avaliação, qual o maior risco que esse quadro traz para o país? R- Estamos entrando em um período de pré-falência do atual modelo de representação política. As elites políticas do país e a classe política como um todo estão sendo colocadas em xeque pela população. Os riscos potenciais do crescimento desse sentimento de descrédito são muitos grandes, podendo gerar coisas como campanhas em defesa do voto nulo ou branco, o que não seria nada positiva para o país e para o sistema democrático. O desgaste sistemático das instituições políticas brasileiras, diante de uma série de atos vergonhosos de corrupção estimula uma nostalgia autoritária que se alimenta da falta de memória que afeta grande parte da nossa sociedade. E nestes momentos é sempre importante recordar que foi justamente sob a ditadura que a prática da corrupção se sofisticou e institucionalizou entre nós. Assim, o maior risco que enfrentamos neste momento é justamente o enfraquecimento do Estado de Direito e da idéia de democracia. Todos devemos ficar muito atentos a esse problema. P- Se o sr. pudesse dar um conselho ao presidente Lula, para superar esse quadro, qual seria? R- Mudar, mudar profundamente de rumos. O presidente Lula tem uma grande qualidade para fazer isso, pois ele conseguiu, até aqui, manter-se relativamente descolado de todos esses eventos que vem desgastando seu governo. Ele tem uma grande autoridade moral e deve fazer proveito dela. Também acho que deveria fazer uma profunda reflexão sobre as razões pelas quais foi eleito. A maioria da população brasileira votou nele para mudar o país e não para se limitar a criar slogans como o Fome Zero. O povo quer mudança e foi por isso que votou em Lula, que deve sempre se lembrar disso. Deve se lembrar também que não podemos ir para o primeiro mundo com uma população de terceiro mundo. Ou vamos todos juntos ou não vamos a lugar nenhum.
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