Análise de votações nominais e pesquisas de opinião pública indicam que os políticos brasileiros agem de acordo com as linhas ideológicas partidárias
No Brasil, a ideologia exerce grande influência sobre o comportamento dos parlamentares. Uma tese de doutorado realizada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP revela que existe um alto grau de coesão e disciplina no interior dos partidos presentes na Câmara dos Deputados. A pesquisa, de autoria do cientista político Celso Roma, contraria a visão de que o comportamento dos políticos e dos partidos está submetido ao recebimento de verbas e alocação de cargos. "Esse argumento tem forte apelo no senso comum, mas não explica por que os partidos se situam em campos políticos opostos e por que há coesão de idéias e disciplina dos votos no interior dos partidos", argumenta o cientista. Segundo ele não há uma relação direta entre apoio ao governo e recebimento de verbas e cargos. "Há deputados que recebem, proporcionalmente, mais verbas e muitas vezes votam contra o executivo, assim como aqueles que recebem menos verbas e votam a favor". Bases do estudo Roma analisou os resultados de pesquisas de opinião pública realizadas pelo Instituto DataFolha em 1991 e 1995, nas quais foram consultados deputados de diversos partidos para verificar suas opiniões em relação a temas de políticas públicas e instituições. Os parlamentares revelaram apenas o partido a que estavam filiados. Os depoimentos anônimos foram, então, comparados ao posicionamento dos partidos. O pesquisador também teve acesso aos dados das votações nominais (em que há voto registrado de cada deputado) realizadas pela Câmara entre 1989 e 2004. Utilizando métodos estatísticos, Roma calculou as taxas de coesão (concordância) e disciplina partidária (votos de acordo com a opinião do partido). O cientista destaca a correspondência entre as crenças dos deputados e sua filiação partidária. A taxa de coesão média, informa o pesquisador, foi de 75%, e a taxa de disciplina média, de 80%, valores que podem ser considerados altos. "Estes resultados reforçam a hipótese de que os deputados votam disciplinados com o seu partido. Quanto a este aspecto, o processo eleitoral brasileiro é eficiente. Candidatos selecionam o partido cujo sistema de crença esteja mais próximo ao seu, enquanto o eleitorado escolhe deputados com afinidade programática com o seu partido." A coesão e a disciplina também são mantidas em casos de migração partidária. "O fato de um parlamentar mudar de partido não é sinal de incoerência política", aponta Roma. As migrações acontecem, principalmente, entre partidos próximos em ideologia. "O deputado migrante mantém suas crenças e seu comportamento é o mesmo tanto no partido de origem como no de destino. Não se pode falar, nesses casos, de uma quebra do contrato político assumido com o eleitor." Segundo Roma, a distância entre os partidos de esquerda e os de direita é apenas moderada e diminuiu, significativamente, nos últimos dois anos. "À direita, PFL e PSDB estão juntos. O PMDB continua no centro. À esquerda, o PT está caminhando paulatinamente para o centro, desde 1999", analisa. As regras do jogo Para o cientista, mesmo que a ideologia exerça grande influência sobre o comportamento dos deputados, é importante que as "regras do jogo" do presidencialismo brasileiro sejam cumpridas. A crise por que passa atualmente o governo Lula seria resultado da quebra dessas "regras". "Ao monopolizar os principais ministérios e flertar com o PTB e o PP, o PT rompeu com o modelo de coalizão política dos últimos dez anos. Nenhum partido pode governar sozinho, e a estabilidade depende da construção de alianças estratégicas, tanto na eleição quanto no governo. Essa união política é estável quando acordada entre partidos ideologicamente contíguos. No atual governo, o desrespeito a esse critério criou a necessidade de negociações pragmáticas e particulares, que podem se expressar sob o esquema do mensalão." Assim, para Roma, não haveria uma crise de governabilidade intrínseca ao sistema político brasileiro, embora o número excessivo de partidos mereça críticas. "O fato de haver muitos partidos confunde o eleitor na identificação dos programas partidários e dificulta a formação de uma maioria no Congresso para apoiar as iniciativas do presidente da República", afirma.
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