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Região
16/08/2022 - 06h20
Navegação à vela no canal
Maria Angélica de Moura Miranda
 

Os primeiros grupos humanos que habitaram esta região eram pescadores, coletores e caçadores. Desses povos, que viveram há mais de 2.500 anos, foram encontradas grandes quantidades de conchas, ossos de peixes, artefatos e sepultamentos, e, por isso, ficaram conhecidos como “Concheiros”.

Na época da colonização, os Tupinambás e Tupiniquins, que habitavam o Litoral Norte, receberam a alcunha de “índios”, uma vez que os portugueses navegadores, num primeiro momento, acreditavam que esta seria uma extensão do território da Índia, destino final de quem, no século XV-XVI, partia em busca de especiarias.

Nos diários de bordo do Comandante Américo Vespúcio (1454-1512), navegador italiano que explorou os oceanos a serviço dos Reinos de Portugal e Espanha, observa-se, no dia 20 de Janeiro de 1502, o registro do avistamento da Ilha que acabaria sendo batizada com o nome do Santo Católico comemorado no mesmo dia: Ilha de São Sebastião.

Os indígenas que viveram por aqui, seus costumes e suas culturas foram retratados nos diários de viagem e nas cartas dos primeiros cronistas que aqui aportaram. Porém, em 1557, um artilheiro alemão chamado Hans Staden (1525 - 1576) publicou uma obra que seria um curioso registro dos habitantes desta região. No livro, conhecido como “VIAGEM AO BRASIL”, o aventureiro relatou a sua experiência, quando ficou aprisionado por nove meses na tribo Tupinambá, localizada onde hoje é Ubatuba.

A referida obra descreve ricamente o cotidiano da aldeia, demonstrando que esses moradores já navegavam, com canoas feitas com troncos de árvores, confeccionadas com ferramentas rudimentares e com o fogo, que eles já dominavam.

Esta região só começou a se desenvolver mesmo, a partir de 1586, quando chegaram os primeiros Sesmeiros. As Sesmarias foram um sistema português, adaptado no Brasil, que normatizava a distribuição de terras destinadas à produção agrícola. Esses Sesmeiros chegaram com a missão de enfrentar todas as dificuldades da colônia.

Em toda esta região, havia também constantes ataques de piratas. Os navios corsários eram abastecidos por estas redondezas e costumavam saquear as cidades litorâneas, levando embora os produtos e deixando um rastro de medo e dor, tamanha era a violência empregada nos assaltos. Há relatos de que alguns desses piratas chegaram a se estabelecer em praias de Ilhabela.

As terras do litoral norte de São Paulo só conseguiram o status de Vila a partir de 1636, quando foram construídos engenhos, fazendas, as primeiras armações de baleias e, finalmente, começaram a prosperar economicamente.

A presença das grandes caravelas e dos barcos de pequeno porte faziam do Canal de São Sebastião um reduto importante do comércio marítimo. Neste tempo, muitos dos navios eram movidos à vela e à remo, quando era utilizada a mão de obra escrava. Essa região era parada obrigatória das embarcações que cruzavam a costa do Brasil até o Porto de Santos, oriundas do Rio de Janeiro, de fazendas da Bahia, Pernambuco e demais localidades.

No livro “Memória Histórica sobre São Sebastião” (1959), o autor Antônio Paulino de Almeida transcreve os documentos da época, que mostram a movimentação dos portos de Ubatuba e São Sebastião:

Antes da abertura das estradas, eram os barcos a vela que faziam o transporte de carga e passageiros, serviço regular entre esses e os demais portos não só do norte e sul do país, como também para portos estrangeiros. Ao par de uma vida comercial intensa para aquela época, em todas elas florecia a agricultura, desenvolviam-se as pequenas indústrias. Tão numerosos eram os engenhos de cana de açúcar e as serraria, como os fornos de cerâmicas e os estaleiros navais. Tôdas elas possuíam embarcações próprias que formavam verdadeiras frotas compostas de lanchas e lanchões, penques, sumacas, hiate, brigues e balandras que sulcavam os mares indo até Pernanbuco e Bahia, para o norte ou às regiões do Prata para o sul, em seu bôjo, levando os produtos das Vilas.” (ALMEIDA, 1959.)

Na maioria das vezes, as tripulações das caravelas que vinham e levavam os produtos para a Europa eram formadas também por prisioneiros espanhóis e portugueses. Era comum convocarem os prisioneiros que trocavam sua pena nos calabouços europeus pela aventura marítima. A convivência entre esses tripulantes durante o longo trajeto era marcada por confrontos e brigas. Alguns deles fugiam da própria sina e se estabeleciam em nossas praias.

Nesse cenário, ainda havia o contrabando de ouro e a chegada dos escravos negros para serem transportados e vendidos em outras cidades. Essas atividades fizeram uma história de prosperidade marcada pela cobiça e pela brutalidade.

O Litoral Norte seguia em “mar de rosas”, florescendo francamente graças ao desenvolvimento dos portos que intensificaram as atividades econômicas, quando, em 1787, foi publicada a ordem do Capitão-general Bernardo José de Lorena, que obrigava todas as embarcações “escalarem” no porto de Santos. Os tributos cobrados no porto santista levaram os comerciantes ao desespero. Era o início do que depois ficou conhecido como a “Decadência do Litoral Norte”.

Os moradores da região enviaram abaixo-assinados e todo tipo de clamor às autoridades competentes para invalidar a decisão tão radical, mas nada adiantou. Em 1804, proibiram ainda o comércio no Canal da Vila de São Sebastião, que, nessa época, compreendia as regiões de Ilhabela, São Sebastião e Caraguatatuba.

Alguns fazendeiros e donos de engenho chegaram a incendiar os canaviais, como protesto pelo prejuízo, e a maioria deles vendeu seus escravos e se mudou, com as famílias, para outras regiões. Essa cadeia de eventos desarticulou a indústria e o comércio que haviam se estruturado durante todos aqueles anos.

Quando, em 1808, a família Real Portuguesa chegou ao Brasil e abriu os portos para o livre comércio, esta região já estava totalmente desestruturada, abandonada a própria sorte. Alguns empreendedores do café produziram um ligeiro arrefecimento da economia, mas nada que se comparasse ao período de ouro do Litoral Norte.

Para os poucos fazendeiros que continuaram por aqui, era mais interessante investir em negócios clandestinos do que em atividades legais e lucrativas. Nesse período, se intensificaram o contrabando e tráfico negreiro, e existe inclusive uma trilha clandestina conhecida como Estrada Dória, que era utilizada para levar os escravos até o Vale do Paraíba.

Em 1902, quando Euclides da Cunha era Engenheiro da Superintendência de Obras de São Paulo, fez esse relato sobre o contrabando de escravos nesta região:

De fato - quando pelo ‘bill’ de Aberdeen (1845), os cruzeiros inglêses exercitam a repressão do tráfico africano até dentro de nossas águas territoriais, as ilhas de Vitória e de Búzios foram as estações mais avançadas dos vigias que iludiam ou burlavam aquela fiscalização severa. Graças a sinais adrede combinados, de fogueiras acesas ao longo dos costões volvidos para o sul, ou de bandeiras de diversas côres levantadas no mais alto dos morros, os navios negreiros ao longe, aproavam confiantes para a terra ou amarravam céreles furtando-se aos que os caçavam. Toda a atividade naqueles pontos se resumia nas aventuras perigosas do contrabando de escravos. Dali arrancavam em velozes canoas de voga os auxiliares dos traficantes, indo colher em pleno mar os negros manietados que conduziam para os recessos do Sombrio, ao fundo da Baía dos Castelhanos, e para o litoral, de preferência na faixa vincada de pequenas angras que se estira de Mocooca às terras que defrontam o Bairro Alto. Destas emprêsas arriscadas, nem sempre coroadas de êxito, resultam os únicos episódios da história, de todo destituída de interêsse, daquelas ilhas.” (CUNHA, 1902.)

Toda essa movimentação do tráfico de escravos era feita com embarcações movidas à vela. Os navios negreiros demoravam quase três meses para cruzar o oceano atlântico, vindo da África para o Brasil. Muitos dos escravos contrabandeados morriam por causa das condições desumanas a que eram submetidos.

Ainda hoje, encontramos no Litoral Norte ruínas de fazendas que foram construídas para que os escravos fossem engordados e vendidos, como o sítio arqueológico do Bairro de São Francisco da Praia, em São Sebastião.

Nessa época, os barcos à vela de pequeno porte, teimosamente, continuavam a fazer escalas por aqui. Também, a produção dos moradores locais era transportada em canoas de voga, algumas à vela, para adiantar o trajeto que chegava a durar quase o dia todo.

Essas “canoas à pano” como eram conhecidas, foram usadas também para levar a correspondência entre São Sebastião e Ilhabela. Os moradores das ilhas de Vitória e Búzios usaram “canoas à pano” até 1960, quando então compraram os primeiros motores.

Mesmo com algumas tentativas, o Litoral Norte entrou em decadência e, em pouco tempo, os engenhos, as fazendas, os prédios e os conventos foram se transformando em ruínas, comidos pelo abandono. Seguiu-se um período longo de estagnação, que veio de encontro ao modo de vida dos caiçaras, dos descendentes dos negros, dos europeus e dos indígenas que habitavam esta região.

Esse povo que vivia da roça de subsistência, da pesca e de pequenos serviços, acabou preservando esta região e a transformando, a partir do começo do século XX, em um belíssimo reduto turístico, que não deixa nada a desejar, em comparação a outras cidades turísticas famosas do mundo inteiro.

Quando finalmente o barco a vapor passou a fazer escalas por aqui, em 1843, ficou mais fácil a locomoção de passageiros até Santos. O Estado subsidiava essas embarcações para levar o peixe seco, a farinha e a banana, esta última cultivada pelas famílias caiçaras, ajudando assim a constituir a renda dos moradores daqui. Todos os caiçaras se socorriam em Santos, para atendimento médico e compras de mantimentos.

Em 1919, quando foi publicado o primeiro levantamento geográfico sobre esta região, que está disponível na internet, o Estado finalmente passou a entender melhor a importância do Canal de São Sebastião para a economia local. Por isso, neste mesmo ano, através do Decreto nº 13.495, foi criada a Agência da Capitania dos Portos em São Sebastião. Por um breve período, de 1924 a 1940, a Capitania ficava aos cuidados do Município de Formosa (antigo nome de Ilhabela) e, em 1940, voltou a ter sede em São Sebastião, de onde nunca mais saiu.

Na cidade de Caraguatatuba, a partir de 1927, a Fazenda São Sebastião, conhecida como a “Fazenda dos Ingleses”, era uma ilha de desenvolvimento administrada por uma firma inglesa que direcionava toda a sua produção para a exportação. Nesta empresa, ainda utilizavam chatas e barcos de pequeno porte à vela, que traziam as frutas através do Rio Juqueriquerê até os barcos ingleses que ficavam fundeados no Canal.

Essa Fazenda funcionou até o ano de 1967, quando a cidade de Caraguatatuba foi atingida por uma tromba d’água. A historiadora Glória Kok, em 2012, publicou o livro “UMA FAZENDA INGLESA NO UNIVERSO CAIÇARA”, onde registrou toda a trajetória desse empreendimento. A obra vem acompanhada de um vídeo, com imagens inéditas de Caraguatatuba, nessa época.

Entre 1939 e 1949, o Porto de São Sebastião saiu do papel, mas a estrada de acesso ao Vale do Paraíba, que foi aberta ao tráfego em 1939, ainda não era pavimentada. Com isso, acirrava-se a proposta para a construção de uma linha férrea entre o planalto e este Porto. Esse último projeto nunca saiu do papel.

Em 1958, com a autorização do então Governador Jânio Quadros, começou a funcionar o serviço de Balsa entre Ilhabela e São Sebastião. A embarcação FB-1 tinha capacidade de transportar até oito carros e realizava a travessia do Canal a cada duas horas. A última viagem acontecia à meia noite e a primeira às cinco horas da manhã.

Em 1964, implementou-se a CONFRIO (Companhia Nacional de Frigoríficos S/A), que se transformou na maior indústria pesqueira da região e chegou a ter 275 funcionários. O empreendimento possuía câmaras frigoríficas e, além de fornecer gelo para as embarcações pesqueiras, exportava camarão e sardinhas enlatadas. Tais produtos eram encaminhados para exportação através de caminhões frigoríficos e também através do Porto de São Sebastião.

Depois da tromba d’água, que derrubou a estrada que dava acesso ao Vale do Paraíba, construíram a Rodovia dos Tamoios, que existe até hoje. No ano de 2022 a duplicação dessa estrada foi inaugurada.

Com o início das obras do Terminal Marítimo Almirante Barroso da PETROBRAS, em São Sebastião, a partir de 1961, o armazenamento e a transferência, através dos oleodutos, que começaram em 1968,o Litoral Norte passou a ter mais oportunidades de emprego. Somado a isso, a indústria do Turismo se consolidara e o desenvolvimento da região se reestabelecia.

Enfim, em 1961, começaram a construir a Estrada para Santos, melhorando o acesso terrestre dos moradores da Costa Sul ao Centro da Cidade de São Sebastião.

Em março de 1971, a Agência da Capitania dos Portos foi elevada à condição de Delegacia, em sintonia com o início das operações do Terminal da PETROBRAS que passava a abastecer as três principais refinarias do país. A Delegacia ficaria então responsável por uma área que abrange duzentos quilômetros da Costa do Litoral Norte de São Paulo e de trechos do Vale do Paraíba.

A mobilização para construção do Yacht Club de Ilhabela começa em 1956 e o primeiro cargo foi justamente o de “Capitão de Vela”, que equivale hoje ao de Diretor de Vela. No entanto, as atividades da entidade só inciaram em 1969.

A pesca submarina, até então realizada pelos caiçaras de maneira amadora, começa a tomar novas proporções através dos campeonatos promovidos pelo Yacht Club de Ilhabela. Surgem os primeiros campeões de Caça Submarina e de Pesca Oceânica.

Nesse novo contexto, os primeiros veleiros começaram a navegar no Canal de São Sebastião, capitaneados por veranistas ou moradores que enxergavam o potencial desse local para se tornar o berço da Navegação à Vela, graças às suas belezas e condições naturais.

Finalmente, com a chegada da classe Optimist ao Brasil, com embarcações que primeiro descem na Represa Guarapiranga para depois aportarem no Canal de São Sebastião, organizou-se o Grêmio de Vela de Ilhabela e a 1ª Semana de Vela de Ilhabela.

Para divulgar a primeira edição da Semana de Vela de Ilhabela, como nunca havia acontecido uma regata no Canal de São Sebastião, utilizaram uma foto de uma competição realizada na Represa de Guarapiranga, em São Paulo.

Esse evento fez com que a Navegação à Vela, que até então era utilizada pelas embarcações de serviços e entendida, quando muito, como recreação, passasse a ser reconhecida como um competitivo esporte, levado a cabo por uma verdadeira comunidade, tamanha é a integração destes atletas.

O Grêmio de Vela de Ilhabela, tornou-se Sociedade Civil independente e serviria de apoio para os primeiros cursos profissionalizantes da Marinha Mercante em conjunto com a Delegacia da Capitania dos Portos de São Sebastião.


Nota do Editor: Maria Angélica de Moura Miranda é jornalista, foi Diretora do Jornal "O CANAL" de 1986 à 1996, quando também fazia reportagens para jornais do Vale do Paraíba. Escritora e pesquisadora de literatura do Litoral Norte, realiza desde 1993 o "Encontro Regional de Autores".
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