A globalização (financeira e econômica), impulsionada pela revolução tecnológica e instituições internacionais, criou a globalização jurídica, que afeta o poder estatal na medida em que os países devem se submeter a determinadas resoluções
O aumento das relações entre os países e, destes com instituições internacionais, está criando um novo tipo de globalização: a jurídica. Ela surgiu da necessidade da implementação de leis que regulassem essas atividades. "As nações acabam perdendo um pouco de poder, porque devem se submeter a regras e decisões adotadas por estas instituições", afirma o advogado Eduardo Felipe P. Matias. Em sua tese de doutorado, apresentada à Faculdade de Direito da USP, o advogado analisou como a globalização está afetando o poder dos Estados. O estudo originou o livro A humanidade e suas fronteiras - do Estado soberano à sociedade global (Paz e Terra, 556 págs), lançado no último dia 4 de outubro, em São Paulo. Ele ressalta que essa perda de poder não significa o fim dos Estados ou a aculturação dos povos e que sempre haverá questões em que o Estado continuará atuando. "Mas é fundamental que os interesses coletivos sejam colocados à frente dos privados e que exista uma valorização das pessoas no plano internacional, sem deixar de lado a pluralidade das culturas", defende. Matias explica que tanto a globalização econômica (aumento do comércio entre os países) como a financeira (o mercado financeiro internacional) foram impulsionadas pela revolução tecnológica (comunicação, transportes, internet) e pela atuação de instituições transnacionais. Um exemplo disso são as empresas transnacionais. Elas negociam e elaboram contratos internacionais que definem a lei que se aplicará em suas relações e adotam institutos, como a arbitragem, para resolver suas disputas. Além disso, nos últimos anos, houve um fortalecimento das instituições internacionais (que envolvem os Estados), principalmente na área econômica, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Também surgiram instituições supranacionais, como a Corte Européia de Direitos Humanos, e de integração regional, como a União Européia e o Mercosul; e ainda a proliferação de tratados internacionais, como o Protocolo de Kyoto (acordo mundial que pretende reduzir o lançamento de gases causadores do efeito estufa aos níveis de 1990). "Todos esses fatores estão contribuindo para uma maior interdependência dos povos e, conseqüentemente, para o surgimento da globalização jurídica", explica o advogado. Desequilíbrio de poder Dentro desse quadro, que Matias chama de "sociedade global", um dos problemas é que muitas vezes acontece um desequilíbrio de poder entre os Estados. "No caso do Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, alguns países possuem um poder de veto; o mesmo ocorre com o FMI, onde, pelo número de votos que possuem, os Estados Unidos tem esse mesmo poder. São condições que podem favorecer ou desfavorecer certos países." Como aspectos positivos, Matias cita o caso de acordos regionais como o Mercosul e a União Européia. "Ao se unirem nesse tipo de acordo, os Estados podem trazer benefícios diretos para a população." Valores universais Para o advogado, esse modelo de sociedade global - onde determinadas instituições globais cada vez mais se fortalecem e o poder dos Estados diminui - pode se transformar, a longo prazo, em uma "comunidade global", com valores universais comuns a todas as pessoas, sem deixar de lado a pluralidade dos povos: é o que Matias define como "humanidade sem fronteiras". Para realizar o estudo, o pesquisador partiu da análise de mais de 500 livros e artigos publicados sobre o assunto e também da própria experiência como advogado da área de direito internacional. O autor estuda o tema desde o mestrado, realizado na Universidade de Paris II, na França, além de ter sido visiting scholar da Columbia University, em Nova York.
|