Depois de 36 anos garimpando notas, o jornalista Ricardo Boechat anunciou que está deixando o colunismo político impresso. Há dois dias ele não assina mais a página 6 do Jornal do Brasil. Boechat já não estava mais dando conta do recado. Desde que assumiu o comando do jornalismo na sucursal carioca da Rede Bandeirantes, em setembro de 2003, sua vida pessoal praticamente deixou de existir. Há tempos ele não sabe o que é um fim de semana inteiro de descanso, já que aos sábados tem que embarcar para São Paulo para apresentar o "Jornal da Band". Ultimamente, sua jornada de trabalho, dividida entre JB, Rádio Bandeirantes e TV Bandeirantes, ia do começo da manhã até ás 23hs, todo santo dia, non stop. Isso sem falar nos períodos em que tinha que cobrir férias ou viagens do titular do "Jornal da Band", Carlos Nascimento. "Garimpar notas exclusivas, em primeira mão, dá muito trabalho. Esse é um segmento competitivo. Se eu não pedisse demissão, minha coluna ia acabar caindo na tentação do release", conta. Deixar o JB não foi uma decisão fácil. O colunismo político de hard news é o habitat natural de Boechat, que debutou nessa área ainda adolescente, em 1971, no Diário de Notícias. "Minha identidade é a coluna diária", desabafa. Divórcio amigável, pero no mucho... Na quinta-feira (2/12) o JB optou por publicar editais no espaço da coluna de Boechat. Como despedida, uma melancólica nota. "Aos leitores: o Jornal do Brasil encerra hoje (o que, na verdade, ocorrera na véspera) a publicação da coluna ’Boechat’". Apesar de dizer que o divórcio foi amigável, o jornalista não gostou da maneira como o jornal avisou aos leitores do fim da sua coluna. "Podiam ter sido mais polidos com o leitor". A frieza do aviso, contudo, foi fruto de mal entendido. "Falei com Ana (Ana Maria Tahan, diretora de redação), e ela me disse que o pessoal estranhou que eu não me despedi na coluna. Só que isso tinha ficado combinado. Achei que o jornal faria uma coisa institucional". Veja, abaixo, depoimento de Ricardo Boechat, para a edição de novembro da revista IMPRENSA, que fez parte da matéria "Jornalismo faz mal à saúde". "Sou hipertenso, durmo mal, tenho prisão de ventre, rôo unha, tenho pesadelos regulares com situações relacionadas ao trabalho, ralo mais de 15 horas por dia, faço três plantões de fim de semana seguidos para poder folgar um, já me separei três vezes e você me pergunta se a profissão afetou minha saúde? Sei lá. Mas não quero coleguinhas no meu enterro... Não saberia citar nomes, mas o estresse é tão comum em nosso ambiente quanto manchetes equivocadas... Para fugir disso, só trabalhando menos, algo que não acredito que vá acontecer neste meio. A atividade é envolvente, viciante. As demandas são intermináveis e as empresas estão cada vez mais restritivas nas contratações. O temor de perder o emprego, num mercado de alta rotatividade, também contribui para piorar as coisas. Estou há quase 40 anos convivendo com redações e posso afirmar que são ambientes onde se trabalha absurdamente. Em todos os veículos por onde passei a realidade era a mesma. Não creio em soluções definitivas, como as que poderiam ser aplicadas a outras profissões, nas quais a rotina seja menos ’indomável’, mais previsível. Uma regra geral talvez seja a de repetir cem vezes por dia ’o mundo sobreviverá sem minhas notícias’. E ir para casa mais cedo, namorar, jogar bola, dormir. Aliás, dormir é ótimo".
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