"Estou encantado com o que vi". Com essas palavras, às 11h25 da manhã de 19 de janeiro de 1951, o general Eurico Gaspar Dutra, Presidente da República, descerrou a placa de inauguração da BR-2, a Nova Rodovia Rio-São Paulo, em solenidade realizada na altura de Lavrinhas (SP). A rodovia ainda não estava completamente pronta, apesar de permitir o tráfego de veículos entre a então Capital Federal (Rio de Janeiro) e o pólo industrial de São Paulo nas maiores médias de velocidade da história. Dos seus 405 quilômetros, 339 estavam concluídos, junto com todos os serviços de terraplenagem e 115 obras de arte especiais (trevos, viadutos, pontes e passagens inferiores). Faltava, porém, a pavimentação de 60 quilômetros entre Guaratinguetá e Caçapava e de 6 quilômetros em um pequeno trecho situado nas proximidades de Guarulhos. Em sua maior porção, a BR-2 contava com pista simples - ou "pista singela", como tratavam os técnicos de então -, operando em mão-dupla. Em dois únicos segmentos havia pistas separadas para os dois sentidos de tráfego: nos 46 quilômetros compreendidos entre a Avenida Brasil e a garganta de Viúva Graça (hoje, Seropédica), no Rio de Janeiro, e nos 10 quilômetros localizados entre São Paulo e Guarulhos. Rapidez, segurança e economia Construída com as mais modernas técnicas de engenharia da época e com equipamentos especialmente importados para isso, a Rio-São Paulo de 1951 permitiu reduzir a distância rodoviária entre as duas capitais em 111 quilômetros, comparando-se o novo caminho com o traçado da velha rodovia, inaugurada em 1928. A maior parte dessa redução foi conseguida com a superação obstáculos naturais, basicamente nos banhados da Baixada Fluminense e na área rochosa da garganta de Viúva Graça, na região de serras entre Piraí e Cachoeira Paulista e no segmento da Várzea de Jacareí. Apenas 8 quilômetros do antigo traçado foram aproveitados, justamente o segmento encravado na Serra das Araras, depois de alargamentos e correções de pista. Além disso, sua concepção avançada permitiu a construção de aclives e declives menos acentuados e curvas mais suaves. Tudo isso representou significativa uma queda no tempo de viagem, de 12 horas, em 1948, para 6 horas. Projeto auto-sustentável No total, 1,3 bilhão de Cruzeiros foram investidos na construção da BR-2, quantia altíssima para os padrões da época. Gastos muito criticados por setores da sociedade civil e pela Imprensa, que classificava a obra como "luxuosa". O Governo Federal argumentava que o desbravamento do Brasil dependia de caminhos que pudessem ser abertos com rapidez e eficiência e que a modernização da ligação Rio-São Paulo era fundamental para o desenvolvimento nacional. Foi essa, por exemplo, a linha de argumentação no discurso de inauguração da rodovia, feito pelo então ministro de Viação e Obras Públicas, general João Valdetaro de Amorim Mello. "Com um tráfego mínimo de 1.000 veículos diários (...) e tendo em conta a economia resultante do custo de operação dos veículos rodando sobre uma estrada deste modelo (...) em 10 anos, a economia nos transportes efetuados sobre esta rodovia atingirá a casa dos 10 bilhões de cruzeiros". Tudo isso, lembrava ele, sem contar a economia de divisas com a redução nos gastos com combustíveis, lubrificantes e peças de reposição, todos importados. Desafios: vencer a várzea e as rochas Hoje, quem trafega pelo retão de Jacareí, a cerca de três metros dos terrenos em volta, não imagina que a sua construção representou um dos maiores desafios de engenharia à época e motivo de grande polêmica técnica. Os cerca de seis quilômetros que cruzam a Várzea do Paraíba estão sobre turfa, terreno instável e de transposição considerada quase impossível nos anos 40. Para construir a estrada naquele trecho, foram usados 12 milhões de metros cúbicos de terra, o equivalente a 1,6 milhão de caminhões cheios, em um aterro submerso de 15 metros de profundidade. Outro segmento que representou grande desafio para os engenheiros construtores da nova rodovia situa-se na chamada garganta de Viúva Graça, um trecho rochoso ao pé da Serra das Araras que precisava ser transposto dentro do projeto de encurtar distâncias. Ali, foram realizadas escavações complexas e demoradas para permitir o "rebaixamento" em 14 metros do paredão de granito. Volumes assombrosos Os números que envolveram a construção espantam ainda hoje, em um esforço de engenharia que envolveu 35 empreiteiras, milhares de trabalhadores e movimentação de toneladas dos mais diversos materiais. 2.657.746 m² de pavimentação 1.300.000 sacos de cimento 8.000 toneladas de asfalto 20.000 toneladas de alcatrão 15.000.000 m³ de movimento de terra 300.000 m³ de cortes 7.021 m de extensão em 115 pontes, viadutos e passagens 19.086 m com 315 bueiros 30 milhões de m² de faixa de domínio Tempos de viagem ao longo do tempo 1908 - 876 horas foi o tempo gasto pelo Conde Lesdain para percorrer a distância entre Rio e São Paulo através de estradas de boiadeiros e antigas picadas a bordo de um veículo Brassier 1925 - 144 horas foi quanto demorou a Bandeira Automobilística da Associação de Estradas de Rodagem para seguir de São Paulo ao Rio já em estradas de melhor qualidade 1928 - 10 horas - Após a inauguração da antiga Rio-São Paulo, os tempos de viagem foram sensivelmente reduzidos 1948 - 12 horas - Apesar da modernização dos veículos, a deterioração da estrada e o aumento no transporte rodoviário de cargas aumentaram o tempo de viagem 1951 - 6 horas - Em pistas adequadas para o fluxo e a qualidade dos veículos da época, era possível desenvolver velocidade média de 70 km/h
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