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Ubatuba
26/01/2006 - 10h06
Uma ambiência coxa
Zizinho Vigneron
 
Coleção Edílson Silva 

Parto, de acordo com a historiadora Marieta de Moraes Ferreira (diretora do CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação da FGV - Fundação Getúlio Vargas), do princípio segundo o qual "a memória é um elemento constitutivo de identidade, tanto coletivo quanto individual". Meu objetivo nesse texto não é outro senão o de contribuir para a divulgação da nossa memória. Fico hoje apenas com as amendoeiras, uma delas vítima da dita urbanização da atual feira hippie na orla da praia de Iperoig.

Atento aos debates e discussões, lembrei-me de um texto escrito em 1985 e ainda não publicado, do qual transcrevo um pequeno trecho, que penso ser útil para clarear algumas questões acerca desse tema tecendo ainda algumas considerações históricas:

"(...) Há ao lado do cruzeiro na praia desta cidade, duas amendoeiras que penso deve ter quase um século. Eu me lembro que quando tinha dez ou doze anos, elas já existiam talvez há mais de dez anos. Estou hoje com oitenta e um anos, se elas nesse meu tempo de menino já estivessem plantadas há dez anos, aí estão portanto noventa e um anos. Mas na época elas deviam ter mais de dez anos de vida. As sementes dessas amendoeiras foram importadas do Rio de Janeiro (...)". Jehu de Souza - 4/2/1985.

O texto foi escrito por Jehu Nunes de Souza em 1985. Nele, o autor procura deixar registrado para nossa geração fatos pertinentes à cidade em que nasceu, e onde viveu com intensidade. Ubatubense, comerciante, membro ativo da Igreja Presbiteriana, presidente da Câmara Municipal, candidato a prefeito e homem extremamente rígido no que se refere à sua conduta moral e para com a comunidade com que viveu. Deixou escritos inéditos e heterogêneos sobre religião, política, história, folclore e memórias. Nossas considerações objetivam, por ora, historicizar um pouco nossas amendoeiras, alvos de tanta polêmica, gerando inclusive baixa no secretariado.

Acerca da idade das árvores, as contas elaboradas por Jehu de Souza em seu texto estão, de fato, muito próximas do real, pois, segundo ele, em 1985, as amendoeiras teriam aproximadamente uns 91 anos. Mas como já se passaram 21 anos, elas estariam hoje com 112 anos, o que significaria, segundo o autor, terem sido plantadas em 1894. Talvez o Jehu de Souza tenha se equivocado por alguns poucos anos, pois nossa hipótese é que as mesmas tenham sido ali plantadas na administração do intendente (prefeito) doutor João Diogo Esteves da Silva, sendo a data mais provável a de 1897, quando da comemoração do tricentenário da morte do padre Anchieta, na qual foram intensas as comemorações e homenagens realizadas em torno do já antigo cruzeiro, como se refere o jornal Echo Ubatubense, de 20 de junho de 1897:

"Notou-se principalmente o Cruzeiro illuminado na haste principal e nos braços por pequenas lanternas de cores".

E ainda:

"(...) no dia 9 ao amanhecer a banda do Atheneu, depois do toque de clarim à alvorada, fez ouvir o hymno nacional, ao passo que espocavam os foguetes em diversos pontos da cidade e ao lado do Cruzeiro estalavam as salvas e subiam ao ar girândolas (...)".

Tais festividades não ocorrem ao acaso. Esteves da Silva, homem profundamente marcado pela sua formação religiosa, tem, sua ação balizada pelo pensamento e prática do catolicismo. No entanto, essa não é a única razão da valorização desse episódio histórico - o tricentenário da morte de Anchieta. A república, recém-fundada, invoca a criação de heróis que fundamentem o novo regime.

"(...) Heróis são símbolos poderosos, encarnações de idéias e aspirações, pontos de referência, fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos. Não há regime que não promova o culto de seus heróis, e não possua seu panteão cívico... Herói que se preze tem de ter, de algum modo, a cara da nação. Tem de responder a alguma necessidade ou aspiração coletiva, refletir algum tipo de personalidade ou comportamento que corresponda a um modelo coletivamente valorizado(...)" (José Murilo de Carvalho - A formação das almas).

Eis a razão pela qual os agentes republicanos (e Esteves era um deles) fazem verdadeira garimpagem em busca e na construção de heróis que fundamentem e legitimem o novo regime. Elevar Tiradentes a esse protagonismo, por exemplo, é tarefa dos homens da república.

Em Ubatuba não é diferente. Esteves, representante do desejo e da vontade de um segmento social (a porção majoritária da elite) e sedento de resgatar o desenvolvimento da cidade, granjeia um herói que personaliza um modelo coletivamente valorizado. Eis Anchieta, cristão de fé católica, preocupado com a instrução e cuja história está intrinsecamente ligada a Ubatuba e ao Brasil. Por isso, enquanto intendente municipal, em 1897, data do terceiro centenário da morte de Anchieta, promove comemoração inigualável na cidade, buscando sempre a solidificação de seu ideal: fé cristã e instrução para a consolidação do nascente regime republicano.

Para tal, era necessária a criação de uma ambiência que traduzisse e que reproduzisse esse desejo coletivo. O cruzeiro da praia de Iperoig, já existente, ganha uma nova dimensão simbólica de culto ao novo herói republicano local, isto é, Anchieta, aliado à sua expressão, déjà vu, da cruz como símbolo padroeiro da cidade fundada em 1637, com o nome de Vila Nova da Exaltação da Santa Cruz do Salvador de Ubatuba.

As amendoeiras foram ali colocadas por Esteves para compor essa ambiência, criar uma imagem de altar-mor e valorizar a simbologia galgada pelos agentes da república, como podemos observar na foto acima.

A árvore restante, agora viúva, é o testemunho da negligência para com a memória da cidade. A retirada de uma delas pariu uma ambiência coxa que fere o propósito histórico daquele cenário.

Zizinho Vigneron
Bacharel e Licenciado em História pela USP


Fonte: Litoral Virtual.

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