| Assim que saiu do consultório da ginecologista, Mariana ligou para a mãe.- Me encontra na rua da Alfândega.
 Quarenta minutos depois estavam juntas. Dona Cremilda, esperançosa, pergunta:
 - Vou ganhar meu primeiro neto?
 - Não. Rebate falso.
 - E o que é que você vai dizer para o Oziel?
 - Que estou grávida.
 Mariana e Oziel estavam casados há 12 anos. Louco por criança, na lua-de-mel, Oziel fez Mariana prometer que engravidaria no primeiro ano de casamento. Durante três anos tentaram inutilmente. Consultaram médicos, pais de santo, astrólogos, cartomantes e todos foram unânimes em dizer que logo Mariana seria mãe. O tempo passou e as previsões não se confirmaram. Oziel se ressentiu.- Todos os meus amigos têm filhos, sou o único pai de ninguém. Queria ver minha casa cheia de criança. Queria rolar na grama com meu filho, jogar bola, levá-lo para ver meu mengão.
 Quando sugeriam que adotasse uma criança, Oziel ficava vermelho e gritava:- Nunca! Adotar, nunca! Quero filho sangue do meu sangue.
 Culpou Mariana. Dizia que ela trabalhava demais, por isso não engravidava. A esposa largou o trabalho. Dois anos e nada. Oziel arrumou outra desculpa. Mariana não agüentava mais a pressão. Quando ia ao ginecologista, na volta, era um desespero encontrar Oziel como um cão de guarda a cobrar-lhe gravidez.
 - Novidade?
 Cansada de viver doze anos de cobranças, dessa vez, garantiu para a mãe, seria diferente. Mentiria para Oziel. Dona Cremilda acreditou que a pressão sofrida para Mariana engravidar desnorteara-lhe a cabeça.- Seja sincera com seu marido. Mais cedo ou mais tarde ele vai descobrir.
 - Não se mete, mãe. Do Oziel cuido eu!
 Quando Mariana chegou em casa, Oziel esperava-a ansioso.
 - Vou ser pai? Hein? Está grávida?
 Mariana abraçou o marido e respondeu, dissimuladamente:
 - Parabéns! Finalmente você vai ser papai!
 - Jura?
 - Juro por essa criança que está na minha barriga! Seu filho!
 Oziel urinou de felicidade na frente de Mariana. Parecia criança ganhando presente de aniversário. Dava soco no vento, pulava e gritava entusiasmado:- Meu filho vai ser flamenguista que nem eu!
 Ligou para a mãe, os irmãos e até para o chefe e contou eufórico a novidade. Mariana achou o marido patético. Deu boa noite e foi dormir com a consciência tranqüila. No dia seguinte, Oziel chegou do trabalho agitado, cheio de embrulhos.
 - Mariana, vem ver o que eu comprei para o nosso bebê.
 Mariana olhava as minúsculas roupinhas com um falso sorriso nos lábios. O enxoval era todo azul. Ela resolveu protestar para dar mais veracidade à gravidez inexistente:- Oziel, você só comprou roupa azul! E se for menina?!
 - Vai ser macho! Sonhei que era menino e vai se chamar Oziel.
 Com o passar do tempo, Mariana não se apiedou de mentir para o marido. Pelo contrário, sustentava a mentira, e dava detalhes sordidamente:- Oziel, tenho novidades!
 - Já sabe o sexo do bebê?
 - Ainda não. Mas a ginecologista me disse que são gêmeos. Coloca a mão na minha barriga. Vem, Oziel, sente os bebês!
 As mãos de Oziel tremiam. Chorou de emoção. Resolveu oferecer um churrasco no final de semana para comemorar a chegada dos gêmeos. Preocupada, dona Cremilda colocou a filha contra a parede:- Mariana, você está levando essa brincadeira longe demais.
 - Qual o problema? Nunca vi meu marido tão feliz!
 - Uma felicidade falsa. Não existe criança nenhuma.
 - Deixa comigo. Vou resolver o problema no tempo certo.
 Cremilda ameaçou a filha:
 - É bom mesmo. Se daqui a uma semana você não acabar com essa farsa, quem vai acabar com ela, sou eu.
 - A senhora não tem o direito.
 - Tenho.
 Durante a noite, Mariana rolava de um lado para o outro. Acabou acordando Oziel:- Não consegue dormir?
 - A barriga tá mexendo. Vem, coloca o ouvido. Sente os bebês.
 Com cuidado, Oziel fez o que a esposa pediu.
 - Tá sentindo os gêmeos?
 O marido estremeceu, emocionado. Os olhos de Mariana brilhavam. Um brilho sombrio, misterioso, sádico. Ela passou a língua pelos lábios e sorriu. Na sexta-feira, Oziel foi trabalhar e na hora do almoço encontrou-se com Mariana. Iriam juntos ao ginecologista para uma consulta de rotina. Pararam para atravessar, na Avenida Presidente Vargas, esquina com Avenida Rio Branco, no Centro da cidade.- Anda, Oziel, vamos atravessar!
 O marido gritou:
 - Agora não! Olha o ônibus!!!
 - Vem que dá!
 Mariana puxou Oziel pela mão e voltou. De repente a freada e o estrondo. Gritaria. Oziel estava debaixo das rodas do ônibus. O motorista urrava, desesperado, pela Avenida Presidente Vargas:- Não tive culpa! Ele apareceu de repente! Não tive culpa!
 Os pedestres rodearam o local do atropelamento. Enquanto o tumulto crescia, Mariana pensava: "Hora do show!" Ela se jogou no asfalto, puxou as pernas do morto e gritou alucinadamente:- Meu marido não tá morto! Pára de brincadeira, Oziel! Levanta daí! Quem vai cuidar dos nossos bebês?! Sai debaixo do ônibus!! Saiiiiiii... socorro!!!
 Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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